março 23, 2009

Salada devocional não; marmitinha individual talvez.

Em novembro do ano passado, falei para alguns amigos do Multiply sobre o fato de, como um ser humano, eu ser atraída por energias, abordada por espíritos e seduzida por divindades e, por isso, não poder ficar alheia a essas coisas, além do que eu já me imagino capaz de diferenciar o que é ofensivo e o que integrativo. Este mês a Galina Krasskova, do blog The Gods’ Mouths, postou uma coisa sobre “interfaith”, essa troca religiosa que temos com pessoas de outras crenças. Resolvi resumir – traduzindo – um pouco do que ela fala e que combina com a minha maneira de pensar.

Ela comenta que, por servirmos aos deuses, acabamos tendo que lidar com tradições diferentes (isso inclui ela ter tido que lidar com cristãos, muçulmanos, judeus, pagãos, gentios e ocasionalmente budistas, até um ateísta aqui e ali), e muitas delas até opostas em pontos principais de sua teologia. O nosso trabalho seria o de criar pontes de compreensão e tolerância entre crenças. Aí ela conta:
“Já ouvi defensores fervorosos do seu direito a adicionar ou ‘pegar emprestado’ rituais e práticas de numerosas crenças, enredando estas dentro de sua própria prática espiritual. Escutei asserções ávidas do tipo ‘Eu tenho o direito de adicionar o que eu quiser à minha espiritualidade’. Talvez, mas ainda acho que essa é uma estrada escorregadia a se andar. É uma estrada geralmente rodeada de um sentido desproporcional enlaçado a uma falta de consciência e sensibilidade quanto ao que pode ser visto por muitas religiões como uma apropriação cultural indevida.”
Essa tentativa de proteger uma religião de ofensas, formando um espírito de união, como um clã, para ela tem duas razões: a primeira é que os deuses devem ser tratados com respeito e já mostraram à humanidade - através de relatos e rituais únicos a cada cultura - como eles querem que isso seja feito; a segunda é que algumas religiões veriam a si mesmas não apenas como tradições espirituais, mas como modo de pensar de um grupo social (de um povo), com paradigmas culturais, linguísticos e éticos sem os quais a própria espiritualidade ficaria sem raízes, daí, quem não ficar imerso na cultura ou pelo menos tentar ver pelos olhos de um devoto daquela religião, não poderia compreendê-la afinal.

Aí ela cita o lema que ouviu por dois anos que dizia “sempre acrescentando, nunca substituindo”:
“Em nenhum lugar desse lema, porém, está dizendo que todos os deuses são intercambiáveis ou que a tolerância entre crenças deveria estar fundamentada em um desrespeito pela religião das outras pessoas. Uma coisa é quando somos escolhidos por deuses que nos ordenam a incorporar uma prática particular, e outra coisa bastante diferente é quando ‘por bem ou por mal’ a gente escolhe fazer isso porque tal prática é ‘legal’ ou ‘conveniente’. Essa é a atitude que diz que podemos pegar o que quisermos e mudarmos e adaptarmos sem considerar a história espiritual e cultural por trás da prática ou crença que faz desde os nativos americanos até os modernos reconstrucionistas darem as mãos a vários cristãos. Essa apropriação indevida do espiritual e do cultural é no mínimo arrogante. Uma arrogância diretamente oposta ao espírito de tolerância religiosa.”
O mais do que ela diz eu deixo em suas próprias palavras:
“Sempre que nos aproximamos de outra religião com um sentimento de se achar no direito ou autorizado a algo, com uma recusa de abrir a mente a como os praticantes daquela religião se aproximam do mundo espiritual, com uma recusa a deixar de lado nossas pré-concepções e preferências pessoais, nós perpetramos um grave desserviço a nós mesmos e a aqueles os quais desejamos tocar. Violamos o espírito do trabalho entre crenças. Não faz diferença dizer que estamos seguindo nossa própria verdade sem prejudicar ninguém. Quando roubamos as tradições sagradas de outros e assim demonstramos desrespeito a seus deuses, estamos perpetrando dano espiritual. (...) Não importa o quão bem-intencionados estejamos, se isso ofende a aquelas religiões, estamos explorando, então precisamos repensar seriamente nossa posição e principalmente nossas ações. Não estamos no direito de retorcer as práticas espirituais dos outros para nossas próprias necessidades. Ponto final.

Então, o que é define o espírito de trabalhar entre crenças? É uma questão de respeito. É respeitar e honrar as diferenças enquanto se celebra aqueles raros momentos de sincronicidade, celebrando as coisas em comum compartilhadas pelas várias crenças. Religiões não são recursos a serem pilhados e, apesar das melhores intenções, é impossível verdadeiramente respeitar uma tradição religiosa enquanto não se demonstra respeito por aqueles que a seguem. Então pise com cuidado. Nós devemos nos encontrar com cada tradição espiritual em seu próprio terreno. Caso contrário, isso é um ato de hybris. E a hybris, como muitos relatos nos mostram, não é uma coisa vista com bons olhos pelos céus.”
O que eu queria deixar desse texto é que o "cada um no seu quadrado" inclui não querer formar um "cubo" onde não existem "arestas" para isso; portanto, se alguém for trabalhar com algo de outra vertente, que seja respeitando aquela tradição e por uma requisição da deidade ou força ou energia que chamou a pessoa ali, e não para simplesmente ficar misturando coisas porque é ‘divertido’ e porque ela decidiu que pode. Sei que já falei muito (no fórum principalmente) sobre o que NÃO fazer, sobre como não cometer ofensa e hybris, mas sinto que é importante também mostrar o que se PODE fazer, visto que ninguém está imune a ser atraído ou receber mensagem de um panteão diferente do seu. Respeito, abertura e ausência de arrogância. É por aí que a gente começa...

5 comentários:

  1. Ah!
    Agora então que se entenda o que eu, Luciana, vivencio :)
    Sendo celtíbera essa comunhão de deidades, e práticas é parte nossa ;)

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  2. Sim, uma prática consciente como a tua é diferente daquela em que as pessoas seguem apenas uma 'moda' ou uma conveniência. :))

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  3. Eu li sobre algo que luto contra desde que entrei no paganismo, a tal "suruba mágica", onde neguinho pega divindades de panteões diferentes, e por vezes até opostas, e joga tudo dentro de um rito, crente que tá abafando...aff... isso me enerva, pq eu vejo que tais criaturas, nem estudam pra saber com o que estão lidando, somente misturam tudo pq é "bonito" ou "pq se mata dois coelhos com uma cajadada só".

    Aí é um tal de ser filho, sobrinho, parente de um monte de "famílias mágicas" pq isso dá charme ou pior, faz a pessoa ser mais social.

    Quer cultuar divindades diferentes, que o faça, mas sabendo onde pisa e não desrespeitando nenhuma delas, pq a hierarquia é contrária, os Deuses fazem o que é melhor pra gente, não a gente que manda nos Deuses, eles são nossos aliados, jamais escravos.

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  4. Ky disse tudo!

    E, para confirmar, li mais um blog agora, que fala assim (traduzindo):
    "Só porque um deus de um panteão em particular inicia um relacionamento com você, não significa dizer que deidades de outros panteões nunca vão se aproximar (da mesma forma, só porque uma deidade de um panteão particular gosta de você, não quer dizer que todos os outros deuses daquele panteão vão se sentir do mesmo jeito, mas isso é uma outra questão)." - http://liminalrealm.wordpress.com/2009/03/24/destruction-of-labels/ no 13º parágrafo.

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  5. Realmente, acho que é comum um deus ou outro de um panteão diferente do qual cultuamos pode aparecer, nos dar um olá e até um sorrizinho, mas até aí está longe da suruba que as pessoas fazem. Já vi coisas malucas na internet como invocar Freyja, Afrodite, Venus, Oxum e tudo o mais para o amor e fiquei pensando: "Mas que tipo de base tem um ritual desse?" Cada deusa tem uma personalidade diferente, vêm de culturas diferentes, são cultuadas e agradadas de formas diferentes e pelas quais temos de respeitar por suas diferenças.
    Não creio que tenha algum efeito uma invocação mistureba dessa, porque sem qualquer conhecimento da tradição não vejo a possibilidade de alguém alcançar um contato direto e enriquecedor com tal deus. Não tem como acessar uma egregora com efeito se não tem a chave para isso. Mas, cada um no seu cada um.

    Beijos

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