dezembro 14, 2010

É só um trovão...

(Ia postar isso ontem, mas a Internet caiu devido às chuvas.)

Anteontem minha 'sobrinha canina' entrou debaixo da minha cama e deitou-se com o focinho para fora, olhando para mim. Levantei-me para pegar água e ela veio atrás, parando à porta da cozinha para me esperar. Voltei ao quarto e ela seguiu-me, entrando novamente debaixo da cama. Fiquei ao computador com ela ali o tempo todo, até o momento em que soou um trovão. Ela saiu do seu canto, olhou para trás, de onde veio o barulho (da janela), eu olhei para ela e disse "É só um trovão, pode voltar". Ela olhou pra mim, deu meia-volta e retornou para debaixo da cama.

Mais tarde, lembrando da associação que a filhotedelua faz de sermos "pets" dos deuses, fiquei pensando nesse caso e imaginando quem seria a deidade que fala pra mim "é só um trovão, pode voltar" quando algo que não espero me deixa confusa. Seria Atena? Ártemis? Zeus?

Sei que às vezes me distraio, como esta semana que demorei a perceber que o princípio-ativo do xarope fitoterápico que tenho tomado para tratar minha tosse é de hera. Justo em dias dionisíacos, não atentei para o fato de o nome científico da planta expresso na caixa - "Hedera helix L. (Acaliaceae)" - ser o da planta desse deus. Mas, no geral, penso nEles em todos os momentos possíveis.

Dia 9, Dionísio me conduziu uma jogada do Mystic Dreamer Tarot e foi mais claro que o raio de Seu pai. Heráclito dizia que Apolo nunca é direto no oráculo ("O senhor de Delfos não fala nem esconde, mas dá um sinal."), então não sei por que eu não tinha pensado antes em recorrer a Dionísio.

Mas não, não achei que fosse Ele quem me diria que "é só um trovão", então voltei a pensar. Óbvio que a primeira a vir à minha mente com essa postura racional diante do desconhecido foi Atena. Aquela que olha para o Poseidon sacudidor-de-terra e acha que Ele é só um terremoto e que já o venceu uma vez antes, podendo vencê-lo de novo. Ou que, conhecendo bem seu pai Zeus, sabe que trovões acompanham-lhe os raios e que - apesar do estrondo - Ele é um deus (dono) tudo de bom.

Porém, ao pensar no "pode voltar", isso não me soou muito de Atena. Como estrategista, um aviso sonoro é um sinal para uma investida, e não algo que vá te fazer ignorá-lo e recuar em seguida. Não há como desfazer uma jogada. Um lance já feito não "pode voltar".

Quando esse tipo de reflexão me toma, o exercício que faço é tentar ser mais intuitiva com a energia presente do que racionalizar os sentidos de uma forma muito "logos". Até porque, pelo logos, a primeira parte da sentença poderia vir de Apolo (a luz da consciência) e a segunda de Dionísio (o deus do duplo retorno).

Então olhei para a minha estante e a estátua de Perséfone brilhou entre as outras. Ela, que vive indo e voltando do submundo - de "debaixo da cama" - e que vive em companhia daquele que costuma ser temido bem mais do que a simples trovões de chuvas ocasionais, inclusive por ser um deus daquilo que nos parece mais definitivo ('de-finito', o fim): a morte.

Olhando dessa forma, poderia ser praticamente qualquer deidade. Hera poderia me mostrar que os trovões de Zeus não assustam, Hermes poderia estar me ensinando a não temer e a vencer as adversidades, Ártemis poderia estar me abrigando entre suas crias, Deméter poderia estar exercendo seu papel de mãe, Héstia me mantendo centrada, Afrodite me chamando ao leito, Têmis me devolvendo o equilíbrio, entre outros.

No fundo, quando temos tantos "donos", todos vão cuidar da gente quando preciso. Nós ficaremos debaixo desse céu onde Eles repousam, ficaremos escondidos numa caverna sob o Monte Olimpo, nos refugiremos nos labirintos do palácio minóico, mergulharemos nas profundezas das águas oceânicas, adormeceremos na escuridão do misterioso reino das sombras, e - em todos esses caminhos - Eles poderão nos proteger e guardar; basta estarmos em busca da realização do nosso 'daimon'. E é esse daimon que me faz agir como a espécie de animalzinho que eu for a cada momento: canina, felina, equina, humana...

Ao menos sei que o bom disso tudo é que sempre haverá quem nos diga, com uma voz tranquila e confiante, que aquilo é só um trovão e que podemos voltar para onde escolhemos ficar.

Nessas horas é que agradeço por não ser um bichinho abandonado... Ou dependente de um único dono.