agosto 23, 2009

O samba de Atalanta

Diz a mitologia que o pai de Atalanta, rei da Arcádia, sempre desejou um filho homem. Porém, veio a linda caçadora Atalanta, que queria ser livre e aventureira e jovem para sempre; mas seu pai insistia que ela se casasse. Ela então disse que só aceitaria se casar com quem a derrotasse em uma corrida, sabendo que não existia nenhum homem mortal que fosse tão rápido quanto ela. Afrodite então ajuda Hipomenes a fazer isso, lhe dando três pomos de ouro. Ele joga a primeira maçã, Atalanta pára de correr para pegar e percebe-se envelhecida no reflexo. Quando ele joga a segunda maçã, ela vê a imagem de um ex-namorado. E, na terceira maçã, ela vê uma criança.

Uma Atalanta moderna é aquela mulher que não faz questão de desenvolver a vida pessoal, mas que cede à pressão social, com a condição de que o homem seja mais forte do que ela. E entra numa relação de competição com ele. Ela se preocupa muito em fazer algo útil, quando não faz se sente culpada. O que ela precisa perceber é que a vida passa rápido, que ela deve aproveitá-la, ser mais criança, relaxar, em vez de estar sempre competindo. Em vez de fazer o que 'deve', precisa descobrir o que 'quer' fazer, e realizar isso.

No tarô mitológico, Atalanta é a Rainha de Espadas. Ela é a diplomática, a união bem temperada da perspicácia feminina com o poder decisório masculino. Uma rainha que é afastada do seu reino (o reino feminino) por algum tipo de trauma com relação ao masculino (como o pai que a rejeitava por não corresponder ao desejo que ele tinha de um filho). Trata-se de uma rainha solitária, cheia de exigências para deixar que se aproximem dela, mas não percebe que já está envelhecendo.

Há uma música do Candeia, cantada pela Teresa Cristina e Grupo Semente, chamada "Paz no Coração", cuja letra me lembra muito essa figura mitológica/arquetípica:

"Eu não troco, não vendo, não empresto nem dou
A paz no coração pelas juras de amor

Quem quiser meu carinho
Terá que provar, amor, provar
Em aventura, benzinho
Eu não vou me arriscar

Só atraco meu barco em porto seguro
Em canoa furada não vou no escuro

Aos meus dezoito anos
Vivi trinta e seis
Chorei, chorei
No oceano da vida quase naufraguei

Eu não troco, não vendo, não empresto nem dou
A paz no coração pelas juras de amor."