dezembro 23, 2012

Formas de Devoção


Existem dois conceitos hindus que li num livro de bhakti yoga que servem para várias crenças religiosas e que trouxe para compartilhar com vocês.

O primeiro é com relação a como nos aproximamos da deidade. Diz-se que existem cinco tipos de "bhavas":

  • No Shanta, você se aproxima do deus com uma mente pacífica e plácida (é o nível mais elevado de 'bhava', o da paz). Exemplo: o personagem Bhishma no épico Mahabharata.
  • No Dasya, você se aproxima do deus como um servo. Exemplo: Hanuman no épico Ramayana, que era devoto de Rama.
  • No Sakhya, você se aproxima do deus como um amigo. Exemplo: Arjuna com Krishna no Mahabharata.
  • No Batsalya, você se aproxima do deus como um filho. Exemplo: Yosoda com Krishna.
  • E no Madhura, você se aproxima do deus como um amante. Exemplo: Radha com Krishna, humanos como Chaitanya Deva (santo hindu e reformista social), Jay Deva (poeta do Gita Govinda), Mirabai (santa hindu e poetisa), e o próprio Jesus que pregava o amor e falava da igreja como a esposa do cristo.

Apesar de termos exemplos literários de cada tipo, não precisamos utilizar só um deles, podemos ter uma relação com deus que se mistura a de um amante, um amigo, um filho etc. Mas, ainda assim, essa visão é útil para tentarmos observar como cada grupo se coloca. Poderíamos pensar que nas religiões afro se pratica mais o Batsalya, já que as pessoas dali são "filhos" de orixás. E serve também para analisarmos os nossos próprios helenos conhecidos. Será que Odisseu não se encaixaria no Sakhya em sua relação com Atena? E as/os amantes mortais (voluntárias/os) dos deuses não estariam praticando o Madhura? Já pensou com qual desses 'bhavas' você se identifica mais?

O outro conceito diz respeito aos caminhos de devoção. Existem seis tipos de "bhakti":

  • No Sravana, ouvimos, lemos, assistimos filmes sobre as glórias e manifestações da deidade. Assim como os muçulmanos acreditam que ouvir/ler o Alcorão ajuda alguém a se tornar devoto verdadeiro de Alá. É a melhor forma de 'bhakti' para as pessoas comuns. 
  • No Kirtana, cantamos, pois a poesia e a música têm um impacto na mente, que se afeta profundamente ao se cantar as glórias da deidade. Essa é uma parte essencial da religião sikh, e do vaishnavismo, no qual os devotos cantam o nome de Krishna no maha-mantra.
  • No Smarana, nos lembramos da deidade, com sentimentos divinos constantes e meditação contínua. É a forma mais elevada de 'bhakti'.
  • No Padasevana, servimos aos pés da deidade, como fez a deusa Parvati aos pés de Shiva e a deusa Lakshmi aos pés de Vishnu. Uma vez que não enxergamos os deuses, a alternativa seria servir aos pés de uma estatueta ou - melhor ainda - servir aos seres humanos e ao universo como uma manifestação de uma deidade escondida.
  • No Archana, prestamos culto à deidade através de um símbolo ou de uma estátua ou mentalmente. Nesse caso, existe o perigo de se degenerar para a idolatria e para um ritualismo mecânico.
  • E no Vandana, prostramo-nos (deitamo-nos) diante do símbolo ou da estatueta da deidade.

Para nós helenos, caberia-nos no princípio os tipos Sravana e Archana, depois procuraríamos desenvolver o Padasevana com os seres humanos (como uma 'xenia' aos mortais para refletir uma 'charis' com os deuses), sendo que poderíamos incluir também o Kirtana, e - claro - tentaríamos alcançar o Smarana. O Vandana seria relizado apenas com os deuses ctônicos.

Porém, que fique claro que a profundidade desses conceitos dentro do hinduísmo não é transferível para o helenismo, estou apenas utilizando-os de uma forma didática aqui. Até porque conheço apenas a definição de cada um, sem grandes implicações, portanto não se faz necessário sequer decorarmos esses nomes, uma vez que não pertencem à nossa crença.

Seria apenas o caso de refletirmos sobre o nosso tipo de prática de um modo um pouco mais comparativo "teologicamente". Espero que isso fique compreendido, e que essas informações que achei tão interessantes tenham sido úteis também para vocês.

E, já que estamos no ritmo da teologia comparada, vamos ficar com um pouco de Rumi (poeta persa muçulmano), que provavelmente praticava o Madhura:


"Ruínas
são lindas
quando tocadas
pelo Sol dourado.

Assim também, o coração partido
se torna lindo

como um espelho despedaçado captura
e expande dentro dos milhares 
um único

raio de luz..."

(Rumi, século XIII)