maio 29, 2011

Presença constante

Às vezes a gente pensa nos deuses e fica encontrando desculpas para continuarmos afastados, do tipo 'Eles têm mais o que fazer do que cuidar dos meus afetos, faz tempo que não faço um ritual decente, meu trabalho é muito mundano e reflete pouco o ideal helênico, tenho pouca leitura e conhecimento de como manter uma prática correta' etc. A mente vive inventando motivos... Mas felizmente a alma segue no caminho oposto. Algo dentro de nós anseia pela intimidade com o sagrado, pela percepção do divino no mundo material, pelo sentido manifesto por trás das coisas mais simples. Somos atraídos de uma maneira irresistível à beleza, nos enlevamos ao ouvir os sons da harmonia, mergulhamos fundo nas sábias palavras que lemos dos antigos, rimos com alegria das 'coincidências' fortuitas que aparecem nos nossos dias.

Dizem que conseguimos esquecer o que as pessoas nos dizem e até o que nos fazem, mas nunca esquecemos como nos fizeram sentir. Não parece ser muito diferente neste caso: grande parte do que lemos nós não assimilamos, vários ritos que realizamos não vão sair igualzinho, mas sempre vamos saber contar sobre aquela vez que percebemos os deuses agindo em nós e em nossas vidas. Principalmente porque, com Eles, ficamos imersos em uma sensação de plenitude, um sentimento de paz, uma impressão de pureza, entre outras inspirações elevadas.

E, quando pensamos em agradecer por caminharmos protegidos por Eles, imagino-Os sorrindo satisfeitos em nos ver atentos ao quanto Eles nos têm feito diariamente. É quase como se, no desejo de agradá-lOs, nos esquecêssemos que também Eles buscam sempre maneiras de nos agradar, em nome simplesmente do que são.

Uma vez li um textinho (acho que era de uma música) que dizia "Mesmo que suas mãos estejam tremendo e que sua fé esteja partida, mesmo que seus olhos estejam se fechando; diga, com um coração plenamente aberto, diga o que precisa dizer" (John Mayer). Então, mesmo quando um dia atarefado me impede de fazer algo mais 'visual' pra Eles, aquelas preces ditas de coração antes de dormir, aquelas que me fazem vir lágrimas nos olhos, dão ao meu espírito a calma necessária para adormecer na segurança de Seus braços e me preparar para mais uma jornada de maravilhas que Eles me concedem.

Por isso, hoje gostaria de terminar esta postagem com a tradução que fiz de um poema do sufi Hafiz. Segue:

"Há diferentes poços dentro do nosso coração
Alguns se enchem com cada boa chuva,
Outros são profundos demais para isso.

Em um poço
Você tem só algumas preciosas taças de água,

Aquele 'amor' é literalmente algo que vem de você mesmo,
Ele pode crescer tão devagar quanto um diamante
Se ele estiver perdido.

Seu amor
Não deveria nunca ser oferecido à boca de um
Estranho,

Apenas a aqueles
Que tenham o valor e a ousadia
De cortar pedaços de suas almas com uma faca

E então costurá-los em um cobertor
Para te proteger.

Há diferentes poços dentro do nosso coração
Alguns se enchem com cada boa chuva,
Outros são profundos, fundos demais
Para isso."