setembro 02, 2018

Notícias do mundo de lá

Escrevo esta postagem primeiramente para explicar minha ausência. Sei que já estive mais assídua no blog, mas - como todos sabemos - o tempo não é algo linear e em algum momento voltamos à Ítaca. A ilusão temporal de Cronos nem sempre acompanha nosso Kairós pessoal. E, como revelei estar envolta por Poseidon, ele pode nos fazer navegar por anos até aprendermos que "mar calmo nunca fez bom marinheiro". 

Mas, enquanto eu dava atenção à vida prática, os deuses não deixaram de me acompanhar. Hécate - "a que trabalha de longe" e Hermes - "unir, juntar" (etimologias possíveis de seus nomes) foram duas figuras fundamentais nas maiores mudanças que aconteceram na minha vida nestes últimos 12 meses. 

Preces e ritos de minha parte, sinais e graças da parte deles. Pedidos atendidos, independente de eu estar pedindo o mais propício ou não. Cadelas negras se aproximando, músicas tocando na rua com letras proféticas, ciganas me abordando com previsões certeiras, sincronicidades em ritos em conjunto (à distância) com uma amiga fiel. Foram várias as manifestações de proximidade, de aviso, de compartilhamento dEles. Eu poderia ter anotado tudo para listar aqui, as percepções e perscrutações que me encantaram. Mas primeiro que não consegui acompanhar tanta coisa para registrar, segundo que poderia ser mal interpretada. 

O fato é que sempre imaginei que só sairia da casa da minha família de origem se fosse raptada como Perséfone. E, apesar de o movimento ter sido meu - de me candidatar a uma vaga em outra cidade e passar por entrevistas e vir na frente - a mudança só aconteceu porque eu já estava sendo de certa forma arrebatada da vida que eu tinha antes. Até minha família mudou de endereço depois de mim, embora tenham permanecido lá e eu tenha vindo para cá.

Estou no sul há mais de 10 meses. A única região do país onde faltava eu morar. Meu su(l)bmundo de Hades. Às vezes, como Perséfone, também sinto que comi inadvertidamente a romã e não posso mais me desprender daqui. Mas ainda não virei rainha. Ainda me sinto passando pelo campo de asfódelos, onde a mente fica confusa, embora eu não esteja indiferente. Mas aos poucos espero atravessar o palácio a caminho dos Elísios. 

Ainda preciso aprender a conviver com quem me arrebatou. Ainda é difícil. Alguns conhecimentos são pesados de se ter. Algumas iniciações são penosas até você se acostumar. Mas outras são tão intensas de glória que mal cabem em você. Em um palácio, há tanto altas torres quanto baixos calabouços. Em um palácio, há tanto esconderijos quanto janelas. Só se entra nele atravessando uma ponte sobre um fosso. Não dá para ser uma travessia tranquila. E não é qualquer membro da nobreza que pode entrar. 

No meu último aniversário, tive uma festa surpresa com um bolo sobre o qual colocaram a estátua de Tyche, a Fortuna. Talvez a fortuna não tenha a ver com dinheiro (pois esse me anda faltando), mas tenha a ver com as conquistas que fazemos (e isso parece estar acontecendo). Já fui uma pessoa bem mais otimista, guerreira e proativa, algo se perdeu pelo caminho que me tirou o ânimo (ou a Anima/Animus). Mas não posso negar que no caminho dos deuses tenho sido atendida no que peço. Só espero estar sabendo pedir o certo. 

Enquanto isso, vou fazendo a travessia com as armas que restaram depois do espólio da mudança (doei muita coisa, visto o prazo de um mês que tive para vir e o tamanho do apartamento que não caberia tudo o que eu gostaria). Perdi meu labrys para uma inimiga, mas ganhei muitas outras coisas também.

Hoje tenho meu cantinho, minha parceira, minha cachorrinha, um trabalho que me agrada, a cidade que sempre quis, um grupo de estudos de mitologia composto por psicólogas, e várias coisas que escolhi. Quando vencer alguns Cérberos que ainda mordem meu calcanhar (e estou em terapia para conseguir isso), vou poder voltar aqui e mostrar mais uma vez para vocês que os deuses nunca nos abandonam, mesmo na desesperança de um caminho pelo hades -  tão necessário para se aprender a reinar. 

Se um Poseidon externo sacudiu minhas torres no seu terremoto, talvez agora seja minha Atena interna de quem eu preciso para me salvar. Provavelmente minha saída não foi só semelhante à de Perséfone, mas também se pareça à Odisseia de um heroi que se lança no mar revolto até alcançar a vitória. Mesmo que dure anos como a de Odisseu, o importante é já ter iniciado a viagem e partido. Se só os herois alcançam a glória (kleos), espero estar na rota certa da minha.