abril 27, 2009

Seguindo os sinais

Este mês tive uns sonhos com alguém que não via há muito tempo e acabei procurando saber da pessoa, descobrindo que estava com uma doença grave e precisava da única ajuda que posso dar à distância, a espiritual. Fiquei feliz por ter seguido meus sonhos e intuições em vez de ser orgulhosa e não ir atrás. Quando atendemos a esses avisos que na hora não entendemos, acabamos tendo a compreensão posterior dos mesmos.

E, por falar em sonhos, também este mês me dei conta de que o nome dado ao ursinho de pelúcia que dorme comigo - Órion - é anagrama de Oniro ("sonho", em grego). Nada mais propício, rsrsrs.

Às vezes não sabemos de onde vêm os sonhos, os presságios, as intuições, as visões, as imagens em estado meditativo, os encontros estranhos, as impressões de termos sido chamados, a sensação de uma presença etc. Então esbarrei num artigo que nos auxiliar a clarificar um pouco quem resolveu falar conosco afinal. Traduzo-o e resumo-o aqui, do meu jeito. O original completo em inglês é de Anya Kless e está no blog "The Gods' Mouths". Eis:

1. Verifique se trata-se mesmo de um(a) deus(a).
Muitas coisas podem bagunçar com o reino humano além de uma deidade, incluindo ancestrais, anjos, demônios, espíritos errantes e tal, especialmente se você for medium. Espíritos podem se mascarar de deuses ou de outros espíritos de forma bem convincente. Como saber? Leia os sinais e presságios, consulte métodos divinatórios, principalmente com outras pessoas (mesmo que você leia tarot e oráculos, às vezes só vemos o que queremos ver, é bom ter uma opinião de fora).

2. Descubra quem é e o que quer.
Às vezes os sinais são bem claros, pra onde você olha você vê o nome ou imagem dele(a), como se os livros saltassem da estante. Nessa hora, em termos de iconografia, o panteão que trabalhamos pode nos confundir um pouco, fazendo-nos achar que se trata de Hermes quando era Mercúrio ou Loki, por exemplo. Uma boa alternativa para não se confundir é você checar como uma deidade tem costumeiramente aparecido para as outras pessoas e ver se combina com a sua experiência com ela. Consultar uma leitura oracular ou pesquisar sobre as deidades também é útil. Procure respostas em lugares improváveis, e pense bem antes de chegar a uma conclusão.

3. Saiba que há muitos tipos diferentes de relações dos deuses com os humanos.
Vocês podem ter um acordo de professor/aluno, mestre/servo, pai/filho, padrinho/afilhado, arquiteto/instrumento, amantes, esposos, amigos etc. E essas relações podem mudar ou se desenvolver com o tempo. Assim como a identidade da deidade, também é fácil se confundir aqui, até porque Ele(a) pode ter uma variedade de papéis conosco, o que nos exige uma variedade de ações e treinamentos. E nada disso é simples.

4. Saiba que você pode ter múltiplos relacionamentos com deuses em permutações bem diferentes.
Você pode - por exemplo - ser servo de Odin, aluno de Loki, filho de seus ancestrais, e eles podem esperar coisas diferentes de você, mas a obrigação que você tem com um não te exime daquelas que você tem com os outros.

5. Nem tudo é diversão e festa.
Se você teve sorte de ter um período de "lua de mel" no relacionamento com Eles, aproveite. Eles vão te apanhar com o que puderem, seja atenção, romance, poder, conhecimento, habilidade, experiência próxima à morte, instabilidade mental, tudo o que te desviar a atenção das coisas que não tenham a ver com Eles. E isso não é exatamente por você, mas porque Eles querem que você faça algo significativo. É aí que você vai ter que enfrentar seus medos e inseguranças, e não vai adiantar se você resistir, tentar ignorar ou se comportar mal. Se fizer isso, Eles te tirarão coisas, te chamarão a atenção e te darão lições para você parar de pensar que está melhor sem Eles. Há algumas deidades que, em vez de nos mostrar o caminho, preferem destruir tudo o que não seja parte desse caminho, e é melhor aceitar e aprender a utilidade disso do que tentar ir contra uma energia destrutiva.

6. As interações dEles com você podem não corresponder às suas expectativas e desejos.
Se você aceitou o serviço, eles não ligam se você gosta ou não do emprego. Você pode chorar, espernear, falar que está insatisfeito, proferir ameaças, mas vai acabar fazendo o que tem que fazer. E nem vai ser besta de tentar negligenciar as coisas ou trair a confiança dEles. Está certo que esse é um emprego que "paga bem", porque as recompensas são incontáveis, mas se trata de um cargo de muita responsabilidade, então não assuma a vaga como algo já seu e seguro, sem precisar fazer nada para mantê-la.

abril 26, 2009

Divagando (sobre sacrifícios)

Estive pensando nas várias formas de se fazer sacrifícios. A palavra costuma carregar um sentimento de fardo, de fazer uma coisa chata ou ruim em prol de algo maior. Mas eu prefiro pensar nela no sentido de "sacro ofício", trabalho sagrado, de sacralizar alguma coisa, usar algo como maneira de agradar o divino e de nos iluminar.

Não há meios mais fáceis ou difíceis de se fazer sacrifícios, isso depende de cada pessoa, para alguns é mais fácil abrir mão de algo físico, para outros é mais fácil queimar ofertas num altar no quintal, mas tudo é digno. O sacrifício muitas vezes demanda certa "dor" e causa mudanças em quem somos e no tipo de relacionamento que temos com as deidades. Quanto mais difícil de fazer (afinal, se sacrifício fosse fácil, todos estariam fazendo, e não veriam a palavra com essa conotação tão custosa) e quanto mais feito com o coração, mais válido ele se torna.

Nós podemos sacrificar (tornar sagrado) nosso tempo, nos disciplinando em utilizá-lo para uma prece ou rito, por exemplo, com toda a atenção na execução dos mesmos. Podemos cuidar do nosso corpo, já que estarmos saudáveis influencia na nossa disposição para as coisas que precisamos realizar em favor dos deuses. Podemos aceitar certas coisas que não conseguimos mudar (e oferecer isso a Eles) simplesmente porque elas não deveriam mudar e um dia entenderemos porque tinha que ser assim. Enfim, há vários tipos de sacro-ofício.

É bom lembrar que não se trata de fazer algo desconfortável ou inconveniente, porque fazer algo pelos seres que tanto nos deram coisas boas nunca será desconfortável ou inconveniente. Nós o realizamos felizes, pois sabemos as recompensas que recebemos dEles, as quais - na maioria das vezes - vêm de onde menos esperamos. E essas coisas acontecem porque fazemos nossa parte.

De certa forma, sacrifício tem a ver com deixar de lado sentimentalismos, egos, desejos, caprichos, e colocar as deidades no centro da sua vida, permitindo que todo o resto flua a partir desse centro, que é sagrado.

E o legal disso é que os deuses não vão ficar pensando que você está dando presentes demais, que você está sufocando Eles, que está com segundas intenções egoístas ou algo assim. [Até porque sabemos que Eles não precisam de nossos presentes e que os presentes não Lhes serviriam como pagamento de nada, o importante é a intenção dentro do nosso relacionamento com Eles.] Mas é como falei, precisamos fazer a nossa parte, não apenas esperar que tudo venha deles e responsabilizá-los totalmente pelo que nos acontece.

Aliás, é preciso lembrar que, por serem reais (e não apenas arquétipos ou seres imaginários), Eles têm gostos e vontades. Eles não são sempre os mais legais e nem sempre fazem muito sentido para nós. Às vezes nos debatemos tentando entender incongruências nas coisas que Eles nos trazem e/ou dizem. Principalmente entre si, quando um espera de nós uma coisa e o outro espera que façamos o oposto (vide o caso de Orestes). Tem horas que a gente simplesmente não pode recuar e tem que tomar uma atitude ou decisão. Só que o resultado pode ser uma surpresa... e bem satisfatória, por sinal.

Chega a ser perigoso você achar que os deuses são sempre bonzinhos e nunca irão te forçar a nada, porque assim você não se prepara e provavelmente vai ver muita coisa como "falta de sorte". As coisas sagradas não são sempre compreensíveis e seguras. Assim como torná-las sagradas (pelo sacrifício) não é algo que nos dê certezas.

Acho que eu mesma devo ter parecido meio incongruente durante esse texto - deve ser a convivência com Eles, hehehe! Mas enfim, acabei postando assim mesmo, talvez sirva-nos de reflexão para alguma coisa.

abril 22, 2009

Dia da Terra

"...Do mar se diz terra à vista
Terra para o pé firmeza

Terra para a mão carícia

Outros astros lhe são guia.


Terra! Terra!
Por mais distante
O errante navegante

Quem jamais te esqueceria?

De onde nem tempo, nem espaço

Que a força mãe dê coragem

Pra gente te dar carinho

Durante toda a viagem..."

(Caetano Veloso)

Se o dia da Terra é hoje, ela é mesmo do elemento terra, pois 22 de abril é signo de touro.

Podemos tentar comemorar a data caminhando descalços na terra (pode ser na areia, na grama etc), saborear os alimentos que vêm dela conscientes do presente que nos dá, fazer um exercício brincando de passarmos de semente a árvore (encolhendo, crescendo, se enraizando, alimentado-se de seiva/energia), aproveitar esse tempo de chuva para sentir o aroma do solo molhado, enfim, tudo o que nos conecte com a natureza.


Como deidade, Geia/Gaia/Terra é ctônica e está associada principalmente a juramentos, poderes oraculares e aos mortos. Viemos dela e a ela voltamos. As cores do dia são mais escuras. Há uma sugestão de ritual com ofertas e links para os hinos antigos clicando AQUI.

Boa celebração!

abril 17, 2009

Divagações na Lua Minguante

Penso em muitas coisas para blogar, mas acabo sentando aqui na cama e mais lendo do que escrevendo. Mas, enfim, ando bastante feliz desde que percebi as coisas e pessoas que me fazem sentir bem e/ou melhor.

Então, minha sugestão hoje é que, se o tempo na sua cidade está bom, sente-se em um gramado debaixo do céu azul, ou relaxe sob o céu noturno e fite as estrelas. Como aqui só chove, eu vou apenas ficar em casa com as pernas esticadas para cima e uma xícara de chá nas mãos. Aí depois você vem ler (e comentar, por favor) o resto desta postagem.

Percebi que é bastante difícil tentar mostrar às pessoas que nunca sentiram os dois lados das deidades como o fato de ter contato íntimo com Eles é tão doloroso e incrível ao mesmo tempo, como isso é cheio de horror e prazer. Mas só quem já teve (por exemplo) um bebê nos braços pode entender o sentimento que isso causa, e às vezes mesmo quem já teve deixa a sensação passar despercebida. O que não dá é saber como a gente se sente sem nunca experimentar a situação. Tem certas coisas que simplesmente não dá para imaginar.

Posso estar me repetindo aqui, mas a verdade é que há altos e baixos em servir os deuses. E quando falo em entender o que significa, não digo racionalmente, mas com o coração e a alma. Espero que não me interpretem como se eu estivesse excluindo desta conversa as pessoas que não sabem do que estou falando, afinal, acho que só estou pensando em 'voz' alta...

Porque, tipo, eu posso citar as coisas que tive que sacrificar na minha vida na intenção de melhor prestar homenagem a Eles, posso falar do que recebi em troca disso e como é maravilhoso ter essa conexão, mas não posso transferir para ninguém a sensação que isso causa, esse afundar no abismo do oceano e ser arrebatada às esferas do céu. Mas vai ver é melhor assim, talvez seja melhor que eu não possa fazer você sentir isso sem estar na mesma situação.

Sabem quais os melhores presentes dEles? Aqueles que a gente não espera, que nos pega desprevenidos, mas que só de olhar a gente já sabe de qual dEles veio, e que ~ se tivéssemos sabido da existência daquilo antes ~ já teríamos ardentemente desejado consegui-lo e declará-lo nosso. É como se coisas adormecidas aflorassem, os sentidos se intensificassem, novos olhos se abrissem, e quiséssemos que mais gente entendesse como isso é bom e (no fundo) simples.

Simples principalmente porque, depois de tanta sacudida, a calmaria vem de uma forma que não é vazia, mas plena. Sentimo-nos repletos (mas não excessivamente 'cheios') por dentro do que há do lado de fora, e caminhamos no mundo como se ele fosse uma extensão de nós mesmos, ou nós dele. O curioso é que, mesmo preenchidos, ficamos mais leves. E conter tudo isso nos deixa muito contentes.

Em parte, é como dizia o gênio: "Viver é como andar de bicicleta: é preciso estar em constante movimento para manter o equilíbrio." (Albert Einstein)

abril 09, 2009

Dela, a 'Delia' (brilhante)...

A Ártemis, com incenso canforado:

A deusa da floresta se move silenciosamente em busca da caça. Seus pés se alternam como as fases da lua. Seu arco se curva como o crescente. Sua flecha tem a retidão de sua pureza. Arma em mãos, alvo em mente, cão ao lado; contra o vento, base firme, pulso seguro, ela atira. O universo silencia. Ele sente a ação da Senhora das Feras. Sua presença é bênção que cobre tudo de paz. Sinto o calor do sangue recém-colhido. Meu espírito se ergue ao cheiro de sua presa. Meu coração se acalma e me deito a seus pés. Ela me alimenta. Estou viva. E sou dela.

(Álex, 09/04/09, 00:44)

abril 05, 2009

"Dando nome aos bois", não às pessoas...

"There's no categories, just long stories waiting to be told.
So don't be satisfied when someone sums you up with just one line.
Baby, don't let 'em, don’t let 'em put a name on you."
(Derek Webb)

[Não há categorias, apenas longas histórias esperando para serem contadas.
Então não se satisfaça quando alguém lhe resumir com uma linha apenas.
Baby, não deixe eles colocarem um nome em você.]

Muita gente usa 'rótulos' para se auto-definir e para se identificar ao mundo. É ao mesmo tempo uma identidade psíquica e um sentimento social de pertencer a algo, a uma comunidade. Mesmo os que aparentemente são exceção à regra por não serem seres muito sociais, por funcionarem melhor sozinhos do que com outras pessoas, volta e meia vão perceber que é necessário haver uma interação, ainda que esta seja feita virtualmente ou um tanto como se partisse de alguém de fora.
Com relação a religião, vejo muita gente se definindo com 'etiquetas' até contraditórias (vide a 'wicca cristã', só para dar um exemplo). São coisas que provavelmente mais as fariam ser ignoradas por ambos os lados do que aceitas pelos dois. Se alguém gosta de misturar, ser 'mestiço', 'meio-sangue' (rsrsrs), talvez não devesse assumir nenhum dos rótulos afinal. Se bem que eu estou menos preocupada em como as pessoas se chamam (ou me chamam) e mais em como eu vou entendê-las (ou vão me entender).

Nossas diferenças não são algo ruim. Não existe um dualismo tão completamente encaixadinho de bem e mal, certo e errado, nós e eles. As pessoas não chegam às conclusões que chegam sem uma razão. Se a gente se sentar para escutá-las, possivelmente vamos compreender de onde vieram e como chegaram a se colocar onde estão, e é bem capaz de acharmos difícil enquadrá-las em uma palavra. Ainda mais em um país de tantas diversidades como o nosso.

Então eu queria parar de pensar em rótulos tanto para mim quanto para os outros. Só que isso traz alguns problemas. Rótulos são apenas um atalho para um grupo maior de idéias, e retirá-los não retira as idéias. Há diferenças fundamentais em como entendemos a vida e nas bases da nossa compreensão do mundo, e é daí que a interpretação de um rótulo faz brotar um conflito. Mas tirar o rótulo não mudaria muito isso.

A linguagem é uma forma de categorizar a realidade, de dar ordem ao caos. Sem categorias (rótulos) não temos linguagem e sem linguagem não temos como nos comunicar. Quando queremos ser diferentes dos cristãos, não é do rótulo de cristão que desejamos nos afastar, mas das idéias que isso traz e da postura diante da vida que isso implica. E daria mais trabalho explicar todas essas coisas, levaria tempo demais. Sem os rótulos, ficaria difícil separar uma coisa da outra, ficariamos sem um suporte.

Deixar de se definir é como estar sozinho em um deserto, sem saber onde está nem para onde vai, nem quem você vai encontrar no caminho. Há uma grande liberdade nisso, mas ao mesmo tempo é assustador admitir que os muros que te protegeriam não existem, que você não tem um mapa, que não tem acesso às respostas que precisaria e que não tem nenhuma idéia do que vem em seguida.

Mas querem saber? Ando deixando de ter medo do incerto, do futuro, do passado, de onde pisei ou onde vou pisar. Gosto dessa liberdade do presente e de tentar me surpreender com o que vem aparecendo e as paisagens que vão se revelando à medida em que caminho. Isso me lembra, de certa forma, o conceito de 'santosha', o 'contentamento' de aceitar quem você é, onde você está, o que você tem AGORA, e se ater a viver isso da melhor forma que puder.

Não desejo ser uma única expressão, baseada no que fui, no que fiz, no que estudei, no que serei, no que aparento, no que mostro etc. Não é apenas uma dessas partes que vai me nomear, são todas elas e as tantas várias histórias que eu poderia lhes contar; somadas por me fazerem saber o que eu sei, e subtraídas por não fazerem parte do presente que aqui está.

No final, somos apenas parte de uma mesma coisa. E, por mais que nos identifiquemos dentro de um grupo, somos essencialmente sozinhos...

"O que há em um nome? Acaso aquilo que chamamos rosa, se tivesse outro nome,
não exalaria o mesmo perfume?" (Shakespeare, 'Romeu e Julieta')

abril 01, 2009

Patronato, apadrinhamento... parentesco?

Há algum tempo era para eu falar uma coisa, mas tive receio da interpretação e efeito direto. Porém, como tem havido uma constante insistência - até onírica - para que eu abra a boca (neste caso os dedos), resolvi postar sobre o assunto.

Quando começamos no Helenismo, normalmente somos trazidos por alguma(s) deidade(s) que acaba por ser nosso(a/s) deus(a/s) patrono(a/s). É como se fosse um apadrinhamento; eles nos apresentam ao mundo grego, aos outros deuses do panteão, à ética da nossa nova religião, e por aí vai. No meu caso, quem fez isso foram Zeus e Atena.

Nos fóruns helênicos do exterior, eu vejo os americanos, australianos, austríacos, gregos etc, falando também de deuses patronos. Mas não me lembro de tê-los visto referindo-se aos deuses como "pai" ou "mãe", coisa que vejo demais entre os brasileiros. Zeus e Atena não são meu "pai/mãe divino/a", como costumo ler de outros politeístas daqui.

Penso de onde vem essa característica brasileira de levar o patronato para mais do que um apadrinhamento, mas um parentesco. Se fosse pela influência cristã, de ter 'pai, filho, espírito santo' e a coisa de cristão gostar de chamar a todos de 'irmãos', acho que eu veria isso em outros países também tradicionalmente cristãos, mas não vejo. Então talvez a resposta esteja no candomblé, onde os orixás são pai e mãe de corpo e de cabeça. Com essa visão sincrética, eu poderia dizer ser filha de Ares por nascer no dia de Ogum, mas que sentido isso faria quando eu fosse trabalhar "cada um no seu quadrado", cada deus dentro da sua realidade ritualística e cultural?

Desconheço se há outra explicação mais "paternalista" dessa mania de brasileiro adotar gente na família. Ainda que haja, quando nos aproximamos de uma pessoa real e mais velha, no máximo a chamamos de tio/a (e, se chamarmos de vovô/ó, às vezes ela se ofende), não saímos por aí chamando os outros de pai e mãe, até porque os nossos pais originais se sentiriam magoados. E até quem gosta de fazer-se aparentado de 'gente importante', não diz que é filho do 'famoso fulano', arruma algo mais palpável e plausível (e menos ingrato com os pais de verdade).

Eu tenho pais espirituais, que me acompanham, porque em uma outra vida foram deveras meus pais. Só que eles não são deuses, e meus pais biológicos atuais nem sabem que precisam me dividir com eles. E talvez eu seja sim filha de Ogum, se é assim que se costuma chamar por lá alguém que venha dele, mas isso não significa que - por transferência - eu vá passar a chamar Ares de 'meu pai'. Além disso, como seria a minha relação com Zeus e Atena como patronos tendo Ares e Afrodite como pais? É um pouco confuso isso...

Sei que já escrevi sobre a postura do reconstrucionista helênico diante dos deuses dever ser não a de um filho pródigo arrependido que se ajoelha pedindo perdão (visão cristã), mas sim a de um filho que deixa o pai orgulhoso por mostrar ao mundo que fez bom uso dos dons que recebeu dele. Porém, quando falo isso, é em questão de como se apresentar aos deuses, não de efetivamente assumi-los como pais.

Até acredito que tudo bem quando, no plural, dizemos - por exemplo - que as amazonas são filhas de Ártemis, no sentido de um grupo identificado e devoto, que é mais facilmente entendido do que dizer-se filho/a de alguém no singular, no típico "toma que o filho é teu", "a responsabilidade é tua, que me fizeste". Não sou eu que levarei uma cobrança dessas a uma divindade! Se alguém me elogia - como já fizeram - ao dizer "você verdadeiramente é uma filha de Atena", pelas características que demonstro, é diferente. Não estou me proclamando filha dela nem a chamando de mãe, estou apenas refletindo aspectos que foram percebidos por outra pessoa e, mesmo assim, essa pessoa não vai passar a referir-se à deusa para mim como "a 'tua mãe' estampa o símbolo da faculdade tal".

Não sei se estou me fazendo entender, mas o fato é que sou eu quem gostaria de compreender essa atitude que só percebo por aqui pelo Brasil. Então não vejam esta postagem como uma crítica (ou ofensa), mas como uma reflexão; até porque imagino que muitos fazem isso porque todo mundo faz e não param para pensar nos motivos e validades de suas assunções ("assunção" aqui como "ação ou resultado de assumir", rsrsrs).

Conversando com algumas pessoas sobre esse assunto, uma delas me lembrou da questão Wicca da "Grande Mãe", e eu não quero entrar nesse terreno da Wicca, mas isso me recordou os epítetos, que preciso explicar.

Quando chamamos Deméter de "Méter Megale" ('grande mãe', em grego) é por ela ser mãe de Perséfone e senhora dos trigais da terra, não nossa. Tanto que a titânide Réia, além de também ser uma "Méter Megale", é a "Méter Theon" ('mãe dos deuses') e a "Méter Panton" ('mãe de tudo'), e não uma mãe dos homens - que seria um suposto epíteto de 'meter anthropon'. Pior ainda seria eu começar a fazer preces a, digamos, uma possível Afrodite Méter Aleξan, a mãe da Álex! Convenhamos, seria no mínimo presunçoso de minha parte.

Bom, acho que com isso já dá para entender o meu ponto de vista. Espero...

;D