abril 01, 2009

Patronato, apadrinhamento... parentesco?

Há algum tempo era para eu falar uma coisa, mas tive receio da interpretação e efeito direto. Porém, como tem havido uma constante insistência - até onírica - para que eu abra a boca (neste caso os dedos), resolvi postar sobre o assunto.

Quando começamos no Helenismo, normalmente somos trazidos por alguma(s) deidade(s) que acaba por ser nosso(a/s) deus(a/s) patrono(a/s). É como se fosse um apadrinhamento; eles nos apresentam ao mundo grego, aos outros deuses do panteão, à ética da nossa nova religião, e por aí vai. No meu caso, quem fez isso foram Zeus e Atena.

Nos fóruns helênicos do exterior, eu vejo os americanos, australianos, austríacos, gregos etc, falando também de deuses patronos. Mas não me lembro de tê-los visto referindo-se aos deuses como "pai" ou "mãe", coisa que vejo demais entre os brasileiros. Zeus e Atena não são meu "pai/mãe divino/a", como costumo ler de outros politeístas daqui.

Penso de onde vem essa característica brasileira de levar o patronato para mais do que um apadrinhamento, mas um parentesco. Se fosse pela influência cristã, de ter 'pai, filho, espírito santo' e a coisa de cristão gostar de chamar a todos de 'irmãos', acho que eu veria isso em outros países também tradicionalmente cristãos, mas não vejo. Então talvez a resposta esteja no candomblé, onde os orixás são pai e mãe de corpo e de cabeça. Com essa visão sincrética, eu poderia dizer ser filha de Ares por nascer no dia de Ogum, mas que sentido isso faria quando eu fosse trabalhar "cada um no seu quadrado", cada deus dentro da sua realidade ritualística e cultural?

Desconheço se há outra explicação mais "paternalista" dessa mania de brasileiro adotar gente na família. Ainda que haja, quando nos aproximamos de uma pessoa real e mais velha, no máximo a chamamos de tio/a (e, se chamarmos de vovô/ó, às vezes ela se ofende), não saímos por aí chamando os outros de pai e mãe, até porque os nossos pais originais se sentiriam magoados. E até quem gosta de fazer-se aparentado de 'gente importante', não diz que é filho do 'famoso fulano', arruma algo mais palpável e plausível (e menos ingrato com os pais de verdade).

Eu tenho pais espirituais, que me acompanham, porque em uma outra vida foram deveras meus pais. Só que eles não são deuses, e meus pais biológicos atuais nem sabem que precisam me dividir com eles. E talvez eu seja sim filha de Ogum, se é assim que se costuma chamar por lá alguém que venha dele, mas isso não significa que - por transferência - eu vá passar a chamar Ares de 'meu pai'. Além disso, como seria a minha relação com Zeus e Atena como patronos tendo Ares e Afrodite como pais? É um pouco confuso isso...

Sei que já escrevi sobre a postura do reconstrucionista helênico diante dos deuses dever ser não a de um filho pródigo arrependido que se ajoelha pedindo perdão (visão cristã), mas sim a de um filho que deixa o pai orgulhoso por mostrar ao mundo que fez bom uso dos dons que recebeu dele. Porém, quando falo isso, é em questão de como se apresentar aos deuses, não de efetivamente assumi-los como pais.

Até acredito que tudo bem quando, no plural, dizemos - por exemplo - que as amazonas são filhas de Ártemis, no sentido de um grupo identificado e devoto, que é mais facilmente entendido do que dizer-se filho/a de alguém no singular, no típico "toma que o filho é teu", "a responsabilidade é tua, que me fizeste". Não sou eu que levarei uma cobrança dessas a uma divindade! Se alguém me elogia - como já fizeram - ao dizer "você verdadeiramente é uma filha de Atena", pelas características que demonstro, é diferente. Não estou me proclamando filha dela nem a chamando de mãe, estou apenas refletindo aspectos que foram percebidos por outra pessoa e, mesmo assim, essa pessoa não vai passar a referir-se à deusa para mim como "a 'tua mãe' estampa o símbolo da faculdade tal".

Não sei se estou me fazendo entender, mas o fato é que sou eu quem gostaria de compreender essa atitude que só percebo por aqui pelo Brasil. Então não vejam esta postagem como uma crítica (ou ofensa), mas como uma reflexão; até porque imagino que muitos fazem isso porque todo mundo faz e não param para pensar nos motivos e validades de suas assunções ("assunção" aqui como "ação ou resultado de assumir", rsrsrs).

Conversando com algumas pessoas sobre esse assunto, uma delas me lembrou da questão Wicca da "Grande Mãe", e eu não quero entrar nesse terreno da Wicca, mas isso me recordou os epítetos, que preciso explicar.

Quando chamamos Deméter de "Méter Megale" ('grande mãe', em grego) é por ela ser mãe de Perséfone e senhora dos trigais da terra, não nossa. Tanto que a titânide Réia, além de também ser uma "Méter Megale", é a "Méter Theon" ('mãe dos deuses') e a "Méter Panton" ('mãe de tudo'), e não uma mãe dos homens - que seria um suposto epíteto de 'meter anthropon'. Pior ainda seria eu começar a fazer preces a, digamos, uma possível Afrodite Méter Aleξan, a mãe da Álex! Convenhamos, seria no mínimo presunçoso de minha parte.

Bom, acho que com isso já dá para entender o meu ponto de vista. Espero...

;D

10 comentários:

  1. AMEI!!!!

    Algum tempo sentia que devias escrever isto!!!

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  2. Engraçado, né, porque nós nunca falamos sobre isso, eu conversava era com outras duas amigas do virtual. Nem sabia que concordavas comigo... Mas que bom que sim! =)

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  3. Acho que depende da forma de trabalho.

    Na maneira como eu e o meu pequeno grupo cultuamos os deuses, nós costumamos dizer que somos filhos de tal divindade. Nós não somos um grupo reconstrucionista, talvez por isso vemos as coisas de uma perspectiva diferente, já que viemos de outros backgrounds.

    Só que isso acarreta uma série de responsabilidades com o deus e o com o grupo. E acho que, se a pessoa assume essa coisa de ser um filho, é algo que ela vai ter que merecer. Não adianta neguinho sair falando pra todo mundo que ele é filho de um deus e não fazer nada com aquilo.

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  4. Pois é... meu lance é exatamente como o da Inês. Acho sim que tem mt do background do país em que vivemos e de nossas experiências anteriores. Eu acho que, para o trabalho que fazemos, que não é reconstrucionista (ou tão pouco eclético e coisas assim) esse jeito funciona.

    O que eu penso é que isso tudo pode levar sim a uma leviandade incrível e por isso que estudamos os mitos e estudamos o pensamento grego. Não para fazer como vc faz, Aléx, mas para saber em que terreno estamos pisando. Com que deidades estamos lidando. Afinal de contas, podemos um dia decidir que a nomemclatura "filho" não mais nos serve, mas não significa que vamos deixar de cultuar nossos deuses como manda o figurino... de preferência um figurino feito por Hesíodo heheh

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  5. Sim, a questão é exatamente por aí; uma coisa é - por exemplo - você sonhar com uma deidade te 'adotando', outra é você decidir sozinho que é filho de fulano e sair espalhando essa sua 'ascendência' à toa. Esses que fazem assim raramente estão buscando uma relação de intimidade com um deus ou um pequeno grupo de deuses como uma família, eles normalmente se auto-proclamam filhos de tantas deidades que chega a ser bem coisa de leviandade mesmo.

    Quanto às experiências anteriores, acho que tem a ver com o que eu falei no post, a gente no Brasil parece ter mais contato com diversidade religiosa do que em outros locais mais tradicionalistas, e tendemos a transferir um pouco da forma com que aprendemos a nos relacionar com o divino e o sagrado.

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  6. Já discutimos muito isso e concordo sempre com vc, as vezes as pessoas exageram ou tornam tudo "fácil" demais...

    Quando vc falou de Tio, eu lembrei que tenho um no outro lado que o chamo assim, rs.

    Mas no geral uso aquele exemplo que te dei uma vez no MSN:

    O mundo divino pra mim funciona como uma grande escola, onde cada divindade possui sua sala de aula, portanto, eu posso receber o convite de uma divindade, entrar em sua sala, ficar um tempo com ela e aprender aquilo que é necessário pra mim; mas isso não signifique que eu vire sua família direta (pai/mãe).

    Afinal de contas, quando sair daquela sala, nada me impede de ser chamada por outra divindade a ir estudar com ela, não é?

    E assim, vamos entrando em várias salas, tendo aulas com divindades que com certeza, nos ensinarão justamente o que devemos aprender, pq evoluir é sempre preciso, conhecimento é poder eterno.

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  7. Eu já havia percebido isso, mas não tinha um pensamento muito elaborado sobre o assunto.

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  8. Eu tenho um "pai" do outro lado que é um pai pq foi pai mesmo em outras vidas. E ele não é um deus! Agora, quanto a essa história de "você é filha dos deuses tal e tal", ela no começo era muito esquisita prá mim. Quando isso me foi revelado, além de não fazer sentido algum na minha cabeça, ainda houve o fato de que me foi revelado o epíteto da deusa dita "mãe" e eu demorei um tempão prá descobrir que ela tinha aquele epíteto. A coisa começou a fazer algum sentido quando tomei contato com o tipo de trabalho do grupo da Pietra (que não é o meu tipo de trabalho, embora eu também não seja reconstrucionista, mas admire muito algumas coisas, e ache outras absurdas). Então, eu fui entendendo que esses deuses "pai" e "mãe" (que talvez o certo fosse chamar de patronos mesmo, como você disse) são aqueles que estão mais próximos de nós, com os quais compartilhamos algumas características e jeitos de ser.
    O interessante, pelo menos no meu caso, é que minha deusa "mãe" não é a que eu me identifico mais conscientemente. Eu sempre me pensei como uma pessoa que faz coisas de Atena. E, quando comecei, esta foi a primeira deusa a ser representada no meu altar. No entanto, conforme fui me aprofundando, fui percebendo que era chamada para outras coisas, e que a minha identificação com Atena (e, quando eu era bem jovenzinha, com Ártemis) mostram mais como eu quero ser do que como eu sou. E, como eu tenho prá mim que o que deve ser feito por um mortal é aprender a conhecer a sí mesmo, algumas coisas, com o tempo, passaram a não se encaixar.
    Não sei se eu fui clara com o que eu queria dizer, mas espero que sim!

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  9. Olá!

    Quando li pensei na situação do Brasil, onde aqueles que se dizem pagãos hoje em dia, na maioria veio de berço cristão onde a dependência de um pai divino, criador e zelador, é muito forte. Muitas dessas pessoas passaram pela experiência "wicca", por ser senão a mais pop das religiosidades pagãs por aqui, e na Wicca continuamos a ter o mesmo conceito de pai/filho, só mudado para mãe/filho. Na estrutura ritual da Wicca fica muito claro essa dependência de pais divinos.

    O que penso é que talvez isso seja em parte uma resposta à carência desses novos pagãos, sentindo-se abandonados e sem muita instrução, acabam agarrando uma divindade e fazendo dela seu pai/mãe no desespero de ter respostas e aliviar o ego.

    Há muitas coisas distorcidas, a idéia da deusa-mãe grega, do casamento em si, de muitas outras coisas.

    É isso, beijos.

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  10. Muito interessante, achei ótimo o texto

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