dezembro 24, 2015

Dioniso nestas datas

Há alguma evidência de que o nascimento de Dioniso fosse celebrado antigamente por volta do solstício (próximo a 25/12)? Vamos ver? 
No Panárion (Gr. Πανάριον), um tratado sobre heresias cristãs, escrito por Epifânio (Epiphanius; Gr. Ἐπιφάνιος) [315-403 EC aprox.], bispo de Salamís (Gr. Σαλαμίς), há uma passagem curiosa com relação ao 6 de janeiro, sendo esta data a festa cristã da Epifania (Gr. Ἐπιφάνεια, na antiguidade Teofania: Θεοφάνεια). Epifânio afirma que o nascimento de Jesus de Nazaré aconteceu nesse dia (mais tarde, a palavra Epifania passou a se referir ao Dia de Reis, mas aparentemente nessa época ela se referia à Natividade). Epifânio continua dizendo que, nesse mesmo dia, os pagãos estavam celebrando grandes festivais em várias localidades, e que na Alexandria havia uma festividade no templo de "Kóri" (Core ou Kore; Gr. Κόρη) ao alvorecer, celebrando o nascimento de "Aióhn" (Aion ou Aeon; Gr. Αἰών) por Kore. Aion é um Deus que é identificado com várias deidades, uma delas sendo Dioniso (Guthrie, W.K.C. A History of Greek Philosophy: The Earlier Presocratics and the Pythagoreans. Cambridge University Press, p. 478), assim como Osiris (Σοῦδα), que é normalmente identificado pelos gregos antigos como Dioniso. Epifânio continua dando exemplos, que em Pǽtra (Petra; Gr. Πέτρα), no mesmo dia, eles celebravam o nascimento do "filho do legislador de tudo" com uma virgem. Isso tudo pode ser encontrado no Panárion 51.22.3-11. 
Macrobius escreve no Saturnália (I.18.9-10) do século IV EC, equiparando Dioniso com o sol: "...algumas imagens do pai Liber estão representadas na forma de um garoto, outras de um jovem homem, às vezes também barbado, ou mesmo mais idoso... Mas as diferentes idades são para serem entendidas com referência ao sol. O sol é muito pequeno no solstício de inverno, como a imagem que os egípcios trazem de seu altar numa data fixa, com a aparência de uma criança pequena" (Macrobius Saturnalia Books 1-2, trans. Robert A. Kaster, 2011, LCL 510, Harvard Univ. Press [Cambridge MA and London England], pp. 249-251). 
O solstício é no dia 21, mas nos tempos antigos o minguante era para ocorrer vários dias depois, tipo no dia 25. E por que temos o 6 de janeiro dado por Epifânio? Podemos resolver isso como segue: "Com relação às datas, Norden demonstrou que a mudança de 6 de janeiro para 25 de dezembro pode ser explicada como resultado da reforma introduzida pelo calendário mais acurado de Juliano, usando o cálculo egípcio antigo que determinou 6 de janeiro como a data do solstício de inverno” (Greek Myths and Christian Mystery by Hugo Rahner, 1971, Biblio and Tannen [New York], p. 141). 
Aion é uma deidade identificada com Dioniso nos ensinamentos do Orfismo. Essa identificação é corroborada nesta citação das notas de um livro de Vittorio D. Macchioro: "Aion era filho de Kronos (Euripides: Heraclidai, 898), ou seja, idêntico a Protogonus de acordo com a teogonia de Hellanikos (Kern, p. 130, 54; p. 158, 85); mas Protogonus, Dioniso e Phanes eram idênticos (Aristocriton Manichæus: θεοσοφία 116, 15, Buresch; = Kern, 61). Erichepaius era idêntico a Dioniso (Hesychius: Ἠριξεπαῖος; Proclus: In Platonis Timœum, II, 102 D, E; = Kern, 170); Phanes com Erichepaius (Hinos Órficos, VI, 9). Protogonus era um dos nomes de Phanes (Damascius: Quœstiones de primis principiis, III; = Kern, 64) e de Erichepaios (Proclus: no Timeu de Platão, 29A; = Kern, 167); Phanes era Aion (Proclus: no Timeu de Platão, E; = Kern, 107). Uma inscrição de uma estátua de Aion em Eleusis (Dittenberger: Sylloge Inscriptionum, 3ª ed., 1125) confirma uma afirmação sobre a identidade de Phanes (Dioniso) e Aion. Aion era filho de Kore, ou seja, a mãe de Dioniso (Epiphonius: Panarion, 51, 22, 8-10). Epiphonius confunde a Deusa Kore com a Virgem, devido ao significado da palavra grega ϰόρη (de ORPHEUS TO PAUL: A History of Orphism by Vittorio D. Macchioro, 1930, Henry Holt and Co. [New York], pp. 251-252, nota 22.)  
Podemos seguir a sugestão moderna do festival dos Doze Dias Dionisíacos, começando dia 25 até o dia 5, e chamá-lo de Vakkhoyǽnna (Bacchogenna), genna significando nascimento + Baccho (Baco, Dioniso). Na antiguidade, existiam vários festivais nessa época. Esta é a estação brumal (inverno) e, por alguma razão, parece que essa época pertence a Dioniso, indo até a Anthesteria (festival das flores). Não tenho certeza por quê, mas talvez tivesse algo a ver com ele assumindo o trono em Delfos, o centro do mundo, no inverno. 
(texto de Kallímakhos, tradução de Alexandra) 

setembro 13, 2015

Ofensa e Purificação

No último mês, dois rapazes coincidentemente vieram me perguntar sobre estatuetas quebradas acidentalmente, as quais haviam tentado consertar, mas temiam estar cometendo alguma ofensa ou miasma mantendo-as assim no altar. Analisando ambos os casos, vimos que não havia problema. Então acredito que a dúvida pode ser compartilhada aqui, acrescida de outros exemplos sobre essa questão do que é ou não ofensa. 

Claro que há situações em que existe sim uma ofensa, como a de Hipólito a Afrodite ao desprezá-la, a de Niobe a Leto ao se achar melhor do que ela, entre outras. E claro que, antes de rituais e ofertas, deve-se pelo menos lavar as mãos, se possível tomar banho e vestir roupas limpas: 
"Nunca verta uma libação do cintilante vinho a Zeus depois da aurora com mãos não-lavadas, nem a outros dos deuses imortais; senão eles não só não ouvirão suas preces como também as cuspirão de volta." (Hesíodo, 'Os Trabalhos e os Dias', verso 724ss)
“...além disso, eu tenho pavor de com mãos não-lavadas verter libação do ardente vinho a Zeus; nem deve um homem sábio fazer preces ao filho de Cronos, senhor das nuvens escuras, todo sujo/coberto de sangue e imundície." (Homero, 'Ilíada', VI, 265ss)
"Ela então se banhou, e colocou vestes limpas no corpo, e subiu para a câmara superior com suas criadas, e - colocando grãos de cevada em um cesto - fez preces a Atena." (Homero, 'Odisseia', IV, 749ss)

Em primeiro lugar, tenham em mente que os grandes miasmas são do tipo morte, sexo, vícios, crimes, hybris, calamidades, pragas, epidemias, injustiças, impiedade etc. São coisas que perturbam a lei natural e mudam a ordem da vida, como o contato com agentes estranhos, com nascimento, com morte, com crime, com lugares violados, ou com o resultado de ações que desagradaram aos deuses. Em segundo lugar, lembrem que miasmas podem ser purificados pela catarse. O próprio lavar as mãos e tornar a água lustral é um exemplo. Você pode se purificar com água, purificar o ambiente com incenso, expulsar agentes de miasma com aspersão e palavras, purificar a alma com música e dança, e fazer rituais específicos de purificação nos festivais (Diasia, Thargelia etc). 

Ou seja, não há motivo para deixar o medo da ofensa lhe paralisar

Quando li os dois casos da estatueta, considerei o ato não-intencional ser sinal de que a deidade estava lhes defendendo de alguma coisa ruim, mas se a rachadura foi pequena ou pôde ser consertada, isso demonstrou o cuidado do devoto, e não havia por que jogá-la fora ou tirá-la do altar. Impiedade é não ser pio, não ser devoto, e em ambos os casos eles foram pios ao se preocuparem com o caso, não houve miasma de impiedade ou ofensa. Uma estatueta pôde ser consertada, outra ficou com o que chamei de "cicatriz de batalha", mas nada que desabone a presença dessas ofertas votivas no altar.

De qualquer forma, na dúvida se algo gerou ou não miasma, faça uma catarse/purificação. Mas não fique impedido ou desanimado de fazer as coisas por temer retaliações. Cada caso pode ser diferente do outro, mas nenhum é irreversível. 

Esta semana eu utilizei meu pirógrafo para fazer uma gravura que não era dos deuses. Eu não me lembrava se tinha ou não consagrado o pirógrafo para trabalhos devocionais, mas mesmo assim o usei. Antes de terminar, ele esquentou tanto que derreteu o botão e quebrou. Levei minha bordoada (inclusive financeira), pois tive que encomendar outro. Mas é isso, aprendi e assim seguimos em frente. Se não erramos, não aprendemos.

Em suma, não deixe de lavar as mãos antes de fazer ofertas ou ritos, purifique-se após o contato com coisas geradoras de miasma (mesmo que em dúvida se são ou não), observe as consequências das coisas para aprender com elas e, no mais, não fique paralisado pelo medo de ofender. 

Há males que vêm para o bem, como algo que quebra para afastar coisas piores, ou como precisar comprar uma máquina de pirografia melhorzinha e novinha, rs. Mantenha-se centrado e busque o equilíbrio, o resto se ajeita. 

julho 24, 2015

Kronos



Na Era de Ouro regida por Cronos e Réia, não havia trabalho laborioso nem opressão, e as pessoas eram imortais. Antes da ordem trazida por Zeus o mundo era caótico. O festival da Krónia, por exemplo, celebra a igualdade e a liberdade irrestrita. Mas Cronos foi atado a Hélio por grilhões de aço. Assim, Cronos representa tanto a longevidade (da idade do Ouro) quanto o sofrimento (do tempo que ceifa). 


A longevidade é parceira do sofrimento. Tudo o que vive, enquanto vive, pode sofrer. Choramos ao nascer, sentimos dor ao envelhecer, ficamos doentes e morremos. Tudo o que se experimenta entre o nascimento e a morte faz parte do tempo, e Cronos sabe o tempo certo de cada coisa. Quando ele ceifa algo, ele pega essa colheita e distribui, seja na mesma vida ou na próxima. Essa distribuição faz parte da igualdade que experimentamos na Krónia, onde escravo e senhor celebram juntos. 

Cronos ensina o desapego e a resignação. Só nos libertamos do sofrimento quanto passamos pelo próprio sofrimento e aprendemos com ele. Só ficamos vacinados contra um vírus quando injetam um projeto de vírus antes na gente. No combate direto é que ficamos imunes. Esse desapego não é só das coisas materiais externas, mas também do nosso próprio corpo. Sofremos para nos desapegar, para percebemos que tudo no mundo é efêmero, e nos libertarmos. Cronos nos ensina a saber renunciar e a morrer para o mundo, só assim nos aproximamos de como se vivia na Idade do Ouro e se tem a longevidade do espírito, da alma, da mente, da consciência, enquanto o físico muda e perece.

Por isso que na Krónia costumamos pedir que Ele nos mostre uma forma de liberdade (seja financeira, de relacionamento, ou em que outra área for) e que nos ajude a sair das adversidades. Não é por carregar a foice que podemos comparar Cronos com a figura da Morte de uma forma negativa, e tomá-lo como alguém a ser temido, com quem não deveríamos mexer. Mesmo os Titãs têm suas funções necessárias à manutenção dos planos dos Destinos e à realização do daimon de cada ser humano. 

Então, um bom festival da Krónia a todos!
 

junho 28, 2015

Patronato parte 4

Do texto "Patron Gods & Polytheism" de Ian Corrigan, com tradução resumida e adaptada minha:
Na minha opinião (Ian), a ideia de que os praticantes individuais tem dos deuses 'patronos' entra no neopaganismo através de duas ou três direções. Primeiro, do costume cristão ortodoxo de recebermos um santo padroeiro no batismo. Isso não parece ter raízes pagãs, mas está arraigado na imaginação ocidental. Segundo, das práticas de patronagem das Religiões Tradicionais Africanas no novo mundo. Costumes como a cerimônia vodu haitiana do "lave tet" e o "coroamento" da santeria (semelhante ao candomblé) apresenta ao cultuador como sendo naturalmente e intrinsicamente alinhado com um dos Poderes daquele sistema. O iniciado determina, através de adivinhação e ritual, quem é o 'Deus de Cabeça' e ritualmente reconhece esse relacionamento. O espírito (ou orixá) então se torna seu 'deus' pessoal de trabalho do iniciado, embora ele ou ela possa interagir com muitos outros espíritos.

Um dos problemas ao traduzir estudos sobre as religiões antigas para trabalhar no culto moderno é determinar quais dos inumeráveis Seres Sagrados devem receber nossa atenção. Nos aproximamos de um panteão étnico, fazemos nossas leituras, e começamos a fazer ofertas. Os antigos devem ter tido esse problema também, e podemos perguntar como eles resolviam isso. O foco em deidades específicas parece ter vindo de várias direções – talvez especialmente de família e casta, de profissão e de localização. Todos esses podem nos dar algum guia para nossas escolhas modernas, embora estejamos em desvantagem pela cultura que nos cerca não ser politeísta. Não iremos herdar os deuses da família, nem ter deidades locais cujos festivais sejam norma da comunidade. Mas ainda podemos tirar alguma referência da nossa carreira e escolhas artísticas na vida, e é isso o que muitos fazem hoje em dia.

Quando eu (Ian) comecei, eu me fixei na ideia do patronato, da pessoa escolhendo ou sendo escolhida por uma deidade específica que se tornaria a deidade do seu altar, da sua casa, do seu trabalho... Experimentei métodos drudas com roteiros e materiais me guiando, mas em alguns anos os problemas com aqueles modelos se tornou óbvio. Primeiro que o método era avançado demais para novos alunos, que desconheciam sobre meditação e rituais. Segundo que alguns praticantes se apegavam ao modelo e estancavam naquilo, tendo o tipo de resultados que podemos imaginar: se tornavam reais devotos de uma deidade em particular, como uma espécie de henoteísmo, com pouca vontade de cultuar os outros deuses além do patrono - e isso era inconsistente com o que conheço de politeísmo.

Isso é típico de espiritualidades auto-orientadas. A maior diferença entre nós e os sistemas das Religiões Tradicionais Africanas é a maneria pela qual os patronos são escolhidos. Nesses sistemas, isso é feito por uma autoridade externa – pela adivinhação de um sacerdote. A decisão é amarrar o iniciado independente de como ele ou ela "se sente" com o resultado. Eu entendo que mudanças e correções não passam despercebidas, mas em geral o fato é que esse patronato é imputado, não escolhido.

Não conheço nenhum sistema neopagão que esteja pronto para administrar tal coisa. Os sistemas divinatórios druídicos geram apenas indicações de vários deuses e espíritos como orientação de curso. Não tem um sistema fixo assim no ocultismo ocidental ou mesmo no paganismo. E mais, não há nenhuma linhagem ou fonte de autoridade aceita que poderia tornar as pessoas dispostas a aceitar a decisão de uma outra.

Depois de talvez meia dúzia de anos trabalhando com o modelo original, os druidas da ADF formalmente mudaram a natureza do requerimento. Em vez de prescrever a patronagem, começamos falando sobre o desenvolvimento do culto no lar. Assim focamos nas práticas primeiro, e a exigência de ter um patrono conhecido foi retirada. Essa história da ADF reflete o desenvolvimento da ideia do patronato na comunidade pagã em gearl. Ainda há um verdadeiro movimento de devoção henoteísta, mas essa exclusividade de cultuar só os patronos não reflete a prática da maioria dos politeístas tradicionais.

É necessário um equilíbrio entre intimidade e utilitarismo. Nós desenvolvemos alianças e amizades entre os espíritos através de um longo e focado trabalho. Nosso 'culto doméstico' é uma impressão única da nossa história e expressão espirituais. Muitas pessoas mantêm um relacionamento central com bem poucos deuses por muitos anos. Porém, para novos estudantes, há frequentemente um período de transição, e um sentimento de ser 'passado' de um deus pro outro.

Nenhum método formal de assegurar a patronagem se tornou aceito por todos no politeísmo moderno, e nenhum método adivinhatório ou autoridade sacerdotal apareceu também. Ainda assim, o assunto da patronagem continua a nos permear. Muitos novatos perguntam "como descubro meu patrono?" e alguns graus de confusão ainda existem. Claro que muitos chegam de sistemas religiosos que já possuem suas regras e aí se deparam com a noção de que estão livres para fazer como quiserem. A partir desse momento, podemos apenas dar algumas dicas, tais como:

• Seu caminho é só seu, mas o progresso é mais fácil em caminhos sinalizados. Escolha um sistema e trabalhe nele por pelo menos um ano, de preferência três. Ele vai se adaptar com o tempo, mas comece com um esboço.

• Escolha uma ou duas culturas antigas nas quais focar sua leitura e experiências. Comece, talvez, com as descrições dos deuses nos mitos, mas esforce-se para ler sobre os modos antigos de vida, ouvir a música daquela cultura etc.

• Monte um altar e comece a cultuar. Os espíritos não costumam falar com você ao menos que você fale com eles antes. Há muitos lugares para encontrar instruções em como começar. Se você está em dúvida de para quem fazer ofertas, há vários modelos de ofertas gerais a um panteão. • Abra seu coração. Trabalhe em habilidades meditativas e deixe as ideias das suas leituras e trabalho-ritual permearem isso. Nem todo mundo se volta para um deus específico tão rápido. Coloque muitos deuses daquela cultura no seu altar, os que você quiser, e trabalhe com eles enquanto estuda.

• Se você se ver com uma inclinação óbvia para um deus ou espírito, vá em frente. Resista à exclusividade, mas permita uma ênfase, e observe seu coração e os indícios/sinais. Use adivinhação também.

• Não resista à mudança, mas não confunda um interesse momentâneo com um chamado. Uma vez que você estabelece trabalhar com um aliado, mantenha isso mesmo se começar algo novo, tudo de acordo com o seu entendimento, claro.

• Depois de um ano ou três desse tipo de trabalho, é provável que você tenha um senso de quais deuses estão no centro da sua constelação pessoal de culto. Depois de mais uns nove anos, as coisas podem ser ou não diferentes. Não se preocupe, nosso trabalho muda de forma como a margem de um rio. Você já viu uma, né?

Uma coisa que me agrada é que muitas religiões neopagãs estão experimentando várias abordagens e mudando e respondendo aos resultados desses experimentos. Que continuemos assim! Ergam seus altares!
( http://www.patheos.com/blogs/intothemound/2015/06/patron-gods-polytheism.html )


A minha intenção ao trazer esse texto do site do Patheos é - além de reforçar a questão do politeísmo x henoteísmo (ou duoteísmo) - também porque há pessoas que estão indo buscar respostas sobre o patronato em sistemas africanos que sincretizam com o helenismo, e isso não é bom, porque são dois sistemas sendo misturados. Fora que "oráculos" afros podem errar seu "orixá" - já escutei histórias assim, e no helenismo o patrono se descobre, não se impõe, quem te conhece melhor é você ("conhece-te a ti mesmo"). Como o autor fala no primeiro item dos marcadores, "escolha um sistema e trabalhe nele". Decida se você vai ir pelo reconstrucionismo ou por outra abordagem. Misturar só pode complicar as coisas, ainda mais para quem está no começo. 

O ideal é centrar no culto doméstimo, na prática por alguns anos, depois você vê se foi criado ou não um relacionamento de patronato, o qual nem sequer é obrigatório. As pessoas que chegam no politeísmo sem um 'background' de ter "santo padroeiro" ou "orixá de cabeça", elas não costumam sentir falta de ter patronos, e isso de certa forma é bom. 

Apesar de termos feito quatro postagens sobre o patronato, no fundo o fizemos justamente para retirarmos essa preocupação com a patronagem, para mudarmos nosso foco para algo mais politeísta mesmo. Se não existe uma resposta fixa sobre patronato no nosso sistema, deve ser justamente porque ela não seja tão fundamental. Não é para buscar em outro lugar, e sim para ficarmos mais abertos a um número maior de deuses. Como o autor diz, "essa exclusividade de cultuar só os patronos não reflete a prática da maioria dos politeístas tradicionais". Então espero não precisarmos ter mais ansiedades com relação a essa questão... (mas, se você ainda tiver, pode nos chamar pra conversar).

;)

junho 27, 2015

Pelo amor e pelo afeto

Falando como alguém que tem estado próxima a Atena e Ártemis, e em concordância com muitos mestres espirituais de várias culturas - que dizem que a prática do sexo alimentaria o nosso apego aos prazeres materiais e que precisamos canalizar nossa energia sexual para algo mais sublime -, venho aqui defender o afeto. Qualquer prática sexual (homo ou hetero) poderia complicar a vida espiritual sim, mas não podemos dizer o mesmo sobre o amor. A homoafetividade não atrapalha em nada a vida espiritual (a heteroafetividade também não). E tenho certeza de que o desrespeito, a discriminação e o ódio, esses sim são bem mais prejudiciais à realização da excelência. 

Os hindus falam de três modos da natureza: o modo da ignorância, o modo da paixão e o modo da bondade. Ora, é fato de que as pessoas que discriminam, sentem ódio e preconceito, estão no modo da ignorância, o que é bem pior do que estar no modo da paixão (com os desfrutes diversos do nosso apego aos prazeres, sejam eles de que orientação forem). E, se é difícil vivermos sob o modo da bondade, se já vamos mesmo nos envolver em algo que nos distraia da caminhada espiritual, se vamos ter uma vida sexual ativa, então que seja com alguém com quem temos afeto, com quem amamos de verdade. É melhor e mais evoluído estar no modo da paixão do que no da ignorância que acha que o 'eu' é separado do 'outro'. Essas pessoas preconceituosas estão mais longe da iluminação do que as pessoas movidas pelo desejo ou pelo simples afeto por quem quer que seja.

A conquista destes últimos dias trata do casamento igualitário, do direito que as pessoas têm de registrarem que se uniram afetivamente a quem elas amam. Se depois disso elas vão pra cama e o que elas fazem em quatro paredes é indiferente para os outros, só diz respeito a elas. Isso é algo que o povo do modo da ignorância precisa entender. Nenhuma religião pode pregar contra o amor e o afeto. E nenhuma também deveria se intrometer na vida íntima, já que o caminho evolutivo é pessoal, mas, ainda assim, se vão pregar contra algo, que seja contra o sexo em geral, não contra o afeto LGBT. ("Ah, mas é que dois iguais não procriam" já não é desculpa, os diferentes que são estéreis ou esterilizados também não procriam e ninguém faz marcha contra eles.) 

Alguns podem querer vir aqui dizer que o sexo é a expressão do amor, mas no fundo vocês sabem que não é bem assim. Já estive sexualmente envolvida com pessoas que eu jamais amaria, assim como acredito que a maior intimidade não é ficar nu diante do outro. Provavelmente é mais íntimo um/a amigo/a que dormiu comigo num acampamento - com quem nos deixamos estar inconscientes e entregues ao lado, sem saber se iremos falar algo, se iremos roncar, se vai cortar nosso cabelo ou nos matar, se vai nos deixar sozinho e sair correndo caso aviste uma cobra - do que um/a 'peguete' de uma noite física com duas pessoas despertas que mal sabem o nome um do outro.

Por isso que às vezes podem achar que jogo um banho de água fria quando alguém vem me pedir que eu realize o casamento deles após poucos meses que se conhecem. Mas me parece que só acham isso no início, depois entendem que eu os fiz refletir sobre as razões de quererem se casar. Qual a idealização que se fez daquela cerimônia, em termos de mudança de vida? É uma celebração do amor ou é uma garantia de posse ('meu' marido) e uma expressão de apego a alguém que lhe desperta desejo? Independente de hetero ou homo, o afeto deve prevalecer. Não sou contra o casamento, mas como orientadora espiritual eu não posso deixar de instingar as pessoas a refletirem sobre suas motivações. No entanto, se mesmo sabendo que é apenas desejo físico, ainda assim quererem se casar, elas têm esse direito. 

Tenho observado que meus contatos das redes sociais que são espiritualizados são os que mais apoiam a causa da diversidade sexual. Porque aqueles que, apesar de religiosos, não são evoluídos espiritualmente, vão estar se apegando à "heresia da separatividade", no modo da ignorância, e combatendo o direito que o outro tem de ser diferente dele.

Portanto, se você se acha religioso e ainda acha "errado" o amor, ou chama de "modinha" a defesa aos direitos igualitários, repense suas atitudes, e aprenda a não julgar o afeto, que em nada se relaciona com os "prazeres da carne" e sim com o movimento de dirigir sua ternura a outra alma que lhe é complementar. 

Se abandonar o apego material é difícil, ao menos abandonemos o ódio e fiquemos no meio-termo entre a ignorância e a bondade, tentando vencer nossas paixões aos poucos, mas sempre com muito respeito.

E possamos celebrar o orgulho de termos conseguido avançar nesse caminho.



junho 15, 2015

Não Somos Duoteístas! (ou 'Patronato - Parte 3')

Atena. Just because. rsrs

Precisamos mais uma vez esclarecer sobre os patronos. O maior equívoco que tenho percebido com várias pessoas é uma excessiva preocupação com a descoberta dos patronos de uma forma que se assemelha a um duoteísmo. Não sei se isso é influência das religiões afro em que se tem um orixá de cabeça e de corpo, ou das ficções mitológicas que pregam o ser "filho" de um deus e/ou deusa, mas a patronagem no helenismo não é bem assim. Sim, nós costumamos ter um par de deuses como patronos, mas não são os exclusivos em culto. Por exemplo, eu estou numa fase super Ártemis, e já tive essa fase várias vezes, mas não questiono ser de Atena. A maioria das pessoas fica em crise quando está numa relação forte com um deus, achando que ele está se mostrando o patrono. Ora, a gente pode ter um relacionamento profundo com diversos deuses. Não é tipo termos uma familiaridade com "pai e mãe" e todo o resto não ser família, os outros deuses serem só amigos, não é isso. Até quando me perguntam quais meus principais deuses de culto, eu não cito só Atena e Zeus. Nós celebramos todos os deuses possíveis, mas existem alguns que têm mais a ver com o nosso modo de ser e viver no mundo. 

O que percebo é que os patronos são deuses que honramos com a nossa vida. Eu não faço todos os festivais a Atena, mas eu a honro com a minha conduta. Sempre que ajo com sabedoria ou astúcia, por exemplo, vou estar agradando Atena; se eu demonstrar 'xenia' (hospitalidade) e tiver liderança de grupo, agrado a Zeus. Posso estar cultuando Ártemis ultimamente, mas continuo honrando Atena na maneira que levo a vida. Os outros deuses eu preciso fazer um esforcinho maior para honrar. Eu tenho que parar para pensar um pouco, não é tão natural. Por mais que eu ame ambientalismo e tente viver com os ideais amazonas, não sou tão fisicamente forte/esportista como Ártemis, tão pouco me ligo no lado cuidadora de bebês dela. Essa questão dos epítetos também é interessante - quando mais nova, eu tinha o lado sedutor de Zeus, hoje estou mais para o lado líder e organizada, saindo de um aspecto para outro. Dioniso veio como uma grande paixão na época das minhas pós-graduações, mas seu lado caótico entrou em conflito com a ordem de Zeus e a sobriedade de Atena. Já Zeus me chegou muito discreto. Eu poderia ter resistido a ele em nome de um suposto feminismo diânico anti-deuses-paternos e preferir Dioniso que é mais "trans", mas eu não precisei me esforçar para aceitar Zeus, porque quando o conhecemos de verdade sabemos que ele é maravilhoso. Mas também é maravilhoso Hermes que nos acompanha no trânsito, na comunicação, no trabalho... E igualmente lindo é Apolo, com o qual sonhei após tocar numa píton albina e isso ter melhorado minhas leituras oraculares. E o que falar de Ares, que me apareceu num sonho com uma tribo amazona? São tantos, e é tão bom existirem tantos, que eu não quero me apegar apenas aos patronos, e nem devo ser ingrata de excluir os outros da minha vida.

Há uma pessoa que me disse que achava que era de um patrono, depois achou que era de outro, daí "se despediu" do primeiro, agradecendo e se colocando à disposição e sem tirá-lo do altar. Isso não entrou na minha cabeça. Parecia uma "demissão"! A pessoa me disse que era tipo uma satisfação, mas Otto já falava que os deuses gregos não precisam de satisfação de que você está "namorando"/cultuando outro, porque eles não são ciumentos. Aí a pessoa disse que não era ciúmes, era como um "olha, eu não estou te ignorando nem estou bravo com você, só não estou aqui porque fui ali". Ora, isso não parece paternalismo? Tipo 'neném, papai vai sair com mamãe, você fica aqui com a babá e mais tarde eu volto, viu?' ou 'bem, me apaixonei por outra pessoa, vou ali viver isso'. Uma conversa normal tudo bem, mas "se despedir" ou "se explicar" é como dizer 'tchau, já que você não é meu patrono, não vou mais te dar a mesma atenção'. E esse "vou me dedicar aos meus patronos" (nesse caso) para mim é duoteísmo.

Mas, ainda assim, muita gente fica angustiado querendo saber seus patronos. Vou dar algumas dicas nesse caminho. Primeiro que nós helenos somos de razão, de análise, de percepção, de lógica, de intuição... não de fé. "Conhece-te a ti mesmo" e não "pergunta para fulano de quem você é". A pessoa precisa se perceber, eu no máximo posso dar pitaco. Oráculos costumam ter muito de projeção psicológica pessoal, por um lado é bom para nos conhecermos, mas por outro não podemos ter uma fé cega numa autoridade (oracular ou não), essas projeções muitas vezes só nos dizem o que queremos ouvir, o que nem sempre corresponde ao real. Fique aberto e descubra as convergências. Sei que muitas vezes uma deidade vem muito forte e nos faz questionar o patronato que acreditávamos ter, mas pode ser que não seja por aí, ou talvez esteja mesmo desconstruindo. 

Outra questão é a das relações. Ultimamente tenho recitado o hino de Proclo a Atena multiversátil, e nele fala da relação dela com outros deuses, e isso é muito legal. No entanto, já vi gente querendo justificar um patrono diferente dizendo que se confundiu porque o anterior tinha uma relação com o atual num referido mito ou aspecto. Isso é complicado, porque praticamente todos os deuses têm relação uns com os outros. Se for por essa lógica, poderíamos ser de qualquer um e pegar as histórias dos outros deuses para justificar, então não faz sentido esse argumento de "é porque fulano tem relação com cicrano". Exemplo: lobos têm a ver com Zeus Lykaios, mas também com Apolo Hiperbóreo, que tem relação com Dioniso, que seria avô de Mileto, que foi criado por lobos, cuja mãe era uma deusa agrária e do séquito de Afrodite (Ufa!). É meio como um mapa astral: "meu sol em touro me faz odiar mudanças, mas meu ascendente em gêmeos me faz amar mudanças, e meu vênus em áries me faz guerreira no amor, só que o marte em peixes me deixa calminha..." Tudo dá para achar uma relação. Por isso também não devemos nos apegar a patronos, é como se nos apegássemos ao signo solar na hora de ler o horóscopo. 

Mais um exemplo de interpretação que pode confundir é o caso da liderança. Há um livro chamado 'Os Deuses da Administração' que identifica quatro tipos de liderança. A liderança de Zeus seria a cultura de grupo, mais ligada a uma família, uma teia de aranha em que tudo parte da aranha. Mas há também a liderança de Apolo (cultura de fundação), de Atena (cultura de tarefa) e de Dioniso (cultura existencial). Em Atena há criatividade para solucionar problemas, em Dioniso o essencial é o talento ou a habilidade individual, alinhando isso a um objetivo comum, sem imposição. Quem quiser ler um resumo do livro, encontrei um doc neste link: Clique Aqui

Outra percepção questionável: me falaram que alguém poderia ser de Hades porque é monogâmico. Primeiro que tanto Hades quanto Perséfone deram suas escapadas, no caso de Hades teve no mínimo a ninfa Minta que foi transformada na planta menta. Segundo que a fidelidade dessa pessoa não estava no patrono, mas na patrona, que poderia ser Hera ou Deméter (esta também pode ser vista como possessiva, pois - se ela perde a filha - o mundo inteiro passa fome). E o lado ascético e regrado da pessoa poderia vir de Apolo, não de Hades. Por isso é importante analisarmos diversas coisas.

Os deuses são vários, incríveis e muito espertos. Notei nesses muitos anos de helenismo que há deuses que nos preparam para outros, vi isso principalmente nas crianças. A filha de uma conhecida era de Afrodite, mas era muito pequena para ser de uma deusa tão sensual, então um dia a mãe me contou que a filha tinha visto um rapaz moreno alado voando do quarto dela. Logo percebi que Eros cuidava da menina, a preparando para Afrodite. Mais tarde, uma amiga com dois filhos, senti que a menina estava sendo cuidada por Íris, a preparando para Hera, e que o menino tinha uma relação com Quíron e Asclépio, por uma ligação com Apolo. Eu nem os conhecia muito bem na época, mas depois a mãe foi me contando várias histórias que confirmavam isso, como a menina que desenhava sempre arco-íris e agia de forma majestosa em diversas situações, e o menino que desenhava unicórnios (que lembra centauros) e que se interessava muito por coisas belas e iluminadas. Achei curioso como Íris apareceu ligada a Hera, já que na mitologia ela é mesmo a sua mensageira. A mãe dessas crianças sempre se viu envolta pela presença de Atena, mas descobriu um patronato em Afrodite com o qual se sentiu bastante confortável

Por vezes, essa certeza é tão profunda que não sentimos necessidade de questionar, porque estamos nos sentindo bem ali. E sentir-se em casa deve significar alguma coisa. Se há essa insistência de ver os patronos como pai e mãe, então essa relação deveria ser confortável e segura como a de uma família mesmo, e deveríamos deixar os pais orgulhosos com a nossa conduta, uma conduta que corresponda ao que eles nos ensinaram. Por isso falei tanto que os patronos se relacionam com a nossa vida. E a nossa versão do "honrar pai e mãe", nesse caso, é bem por aí, no exemplo cotidiano, não numa aproximação que depende de muitos sacrifícios e horários e disposições. 

Espero que isso ajude a esclarecer mais um pouco como vejo essa questão, e diminua as limitações das pessoas em achar que devem se "dedicar" a apenas dois deuses em vez de a vasta e maravilhosa gama de deidades com as quais podemos nos relacionar.

junho 13, 2015

Poemas

Gente, saiu o meu livro de poesias pela Editora Pragmatha, o Alvos Anis. São 108 páginas. :D
Em uma das orelhas há uma apresentação do Thiago e na outra a minha mini-biografia. Por enquanto, estou vendendo-o online eu mesma (até para poder mandar com dedicatória), depois veremos como fica.


Posso autografar para quem quiser. O livro é R$ 25 + 5 do frete (impresso) para todo o Brasil.
Segue o botão com o link para comprar pelo PagSeguro (me avisem ao mandar os R$ 30,00): 


Release:

Apresento aqui a vocês um livro de poesias que brotou de um questionamento: sou mesmo uma poetisa? Trabalhando aos poucos durante mais de vinte anos, obtive dezenas de amigos leitores que, constantemente, me forneciam palavras de incentivo e se declaravam encantados com meus versos. Jamais poderia decepcioná-los, deixando meus poemas submetidos egoisticamente à guarda de uma gaveta do armário, relegando à obscuridade um possível dom ou serviço.
Esse despertar literário sugeriu-me, em algum momento, que me libertasse de meu "eu-lírico" e começasse a escrever sobre o mundo, a religião, a opinião pública e a consciência dos homens. Mas tudo, claro, num diapasão de uma certa ternura.
Meu sonho de ver este livro publicado incluía o pensamento na satisfação daqueles que já usufruíam do meu ainda caderno de poesias e que poderiam conhecer muito mais, onde, num crescendo, descobririam como apreciar a entusiasmante literatura de quem procura se entregar em suas obras sem se deixar corromper.
De início, eu era apenas uma jovem que dava asas ao que possuía dentro de si, sem saber ao certo o que era e onde isso a levaria, que não se preocupava com academicismos e sim em passar ao papel os poemas ditados por um ser dentro de mim que foi gerado prematuramente e que hoje se reflete em momentos inesperados. Meus versos eram brancos, soltos, seja pelo pouco conhecimento que tinha de literatura seja pela influência dos mestres modernistas da época, que lia desde a infância.
Nessa clave, com o tempo passei a lançar um tema para que o leitor desenvolvesse sobre os poemas a sua própria verdade transcendente, reverberando cognitivamente a ideia impressa. Com formação em psicologia e letras, deparei-me estes dias com um estudo da Universidade de Liverpool, o qual diz que ler poemas faz mais bem ao cérebro do que livros de autoajuda. Então quem sabe ler poemas de uma ex-psicóloga seja ainda mais útil?  
Gostaria, finalmente, de agradecer às pessoas que souberam reconhecer e respeitar a minha maneira de amar (exposta nesses versos), a aqueles que acreditaram no valor desta obra, e a todos os que se atornaram inspiração para os versos. Que você, ao ler este livro, descubra virtudes escondidas dentro de si mesmo - coragem, liberdade, gentileza, cidadania, beleza e verdade. E que ele seja uma chave para um infinito interior de amor e devoção. Com a ajuda do sagrado que nos cerca.
Porque nosso alvo é o céu, e o céu é colorido de alvos anis.
A autora.

abril 11, 2015

Altares, imagens, ritos?

PARA QUE AS ESTATUETAS E IMAGENS?

Especular sobre a aparência dos deuses é natural, é como alguém que não conhece seu pai biológico e fica imaginando como ele seria. Mas nem sempre o que imaginamos corresponde à realidade, e as escrituras de várias crenças nos advertem a não "gravar em madeira ou pedra" essas nossas especulações e render homenagem a tais ilusões. Mas uma coisa é bastante provável: os deuses são belos. E, tentando ver a beleza dos deuses, procuramos coisas belas que os representem. No entanto, todas elas são temporárias, já que são materiais, e a beleza divina é transcendente.

Quando se cria algo caprichosamente e se adora esse algo como se fosse um deus, isso é idolatria, pois não se está adorando uma deidade e sim algo inventado pela sua imaginação. Outros, ainda, acham que deus não tem forma, que é impessoal ou vazio, mas isso não é verdade. Se existem "forças" ou "energias" funcionando no universo, algo (alguém) impulsiona/m essas forças (como estudamos em Física). E, se esse alguém existe, ele/a/s deve/m ter uma imagem, um nome e características próprias suas.

Dizem que uma árvore se conhece pelos seus frutos. Os frutos mais elevados que conhecemos da criação material são os seres humanos, então é natural imaginarmos os deuses (fonte de tudo) como antropomorfos. Podemos nos basear nos hinos e outros textos antigos para tentar descobrir a forma dos deuses. Deles é que sabemos que Atena tem brilhantes olhos verde-acizentados ('glaukopis'), por exemplo.

De qualquer maneira, mesmo entre nós mortais, uma representação raramente corresponde ao real. Quantas vezes você se achou diferente nas fotografias? E, vamos mais longe, você sequer 'é' o seu corpo, você 'tem' um corpo, você pode inclusive não se reconhecer como sendo daquela forma. Muita gente acha estranho quando se olha no espelho. Porém, os deuses não estão presos a um corpo e, por isso mesmo, por essa não-dualidade, eles podem ser um só com as estátuas e representações que atribuímos a eles. Os deuses não estão submissos às leis materiais como nós, eles estão acima disso. Então não estaríamos adorando "ídolos de pedras" e sim fixando o olhar em algo que tenta se aproximar do belo que é divino e próprio dos deuses. Para os deuses não existirá ali uma distinção entre o objeto material e sua essência espiritual. Quando usamos os hinos para chamá-los, eles podem transformar aquela madeira ou pedra em algo transcendente. É como a energia elétrica: a mesma energia pode fazer funcionar uma geladeira ou um fogão, então a energia espiritual também pode entrar no material para fazê-lo funcionar com o motivo para o qual foi criado.

Quanto esculpimos e/ou pintamos uma imagem de um/a deus/a, a oferecemos a ele/a como oferta votiva e ele/a a aceita, então aquela é uma imagem válida. Ela vai servir para purificar nosso olhar, nossa mente, nossos sentidos. E para nos aproximar da beleza, da bondade, da justiça. Se você o tratar como um ídolo de madeira, ele será só isso, mas se mudar o seu olhar e postura, o que receberá de volta também será diferente. E melhor.


PARA QUE FAZER RITOS?

Todos nós precisamos nos sentir seguros e amparados. Quando bebês, dependemos de um adulto pois sabemos pouca coisa desse mundo e não alcançamos tudo. Mas, mesmo quando crescemos, continuamos sujeitos a coisas que não conhecemos e/ou não controlamos. E, para muitas coisas, outro ser humano não resolverá, porque ele está na mesma situação que nós. Quem pode nos confortar da ansiedade com relação ao dia seguinte, ou nos aliviar da angústia de sermos finitos? Quem pode afirmar com certeza que não vamos pegar uma doença amanhã? Somente quem não estiver sujeito às mesmas limitações que estamos. E a comunicação com esse ser se dá através dos rituais e preces, que são as formas mais eficientes que encontramos para acessar o sagrado e dele obter ajuda, graças e favores.

Um ritual tem duas realidades. A primeira é imediata, e não inclui só a visão da chama da vela, o cheiro do incenso, a demonstração de aceitação das comidas e flores ofertadas e demais imagens sensoriais afins, mas também a sensação de tranquilidade mental, o desenvolvimento da concentração e organização das ideias, e outras percepções sutis. A segunda não é notada a princípio, mas se manifestará em algum momento, como uma resposta ao que fizemos. Além disso, o ritual pode corrigir nossas ações errôneas (numa espécie de crédito para cobrir o débito da sua conta espiritual), abranda a 'hybris', purifica o miasma, nos auxilia a obtermos o que desejamos (por comunicar o pedido aos deuses e estabelecer um laço de amizade), entre outras consequências positivas.

Para um ritual dar certo, ele depende cerca de 70% da gente e só 30% dos deuses, embora a parte deles seja a mais importante. Precisamos ter uma direção sobre a prática correta, precisamos separar um tempo adequado para o rito, e precisamos nos esforçar para realizá-lo devidamente. E eles precisam nos ser favoráveis. Mas a gente também influencia nessa parte, dando-lhes motivos para merecer seu favor, ou seja, desenvolvendo um relacionamento com eles através das preces, da prática da virtude, das ações corretas, do reconhecimento e gratidão.

Não se trata, portanto, de superstição, mas de confiança, aceitação, amizade. O ritual é necessário e benéfico. Antes de perder a oportunidade de realizá-lo, ou de ficar com medo de fazer algo errado, tente pensar que o máximo que pode acontecer é você fazer os seus 70% (o que já bastaria para você se sentir bem, tranquilo, focado etc) e não ter os 30% de lá (ao menos não desta vez, embora isso já ajude no relacionamento que está se formando), mas mal não vai fazer. Então por que não?