fevereiro 26, 2011

Divulgando

Ajude-nos a salvar o Altar Sagrado dos Doze Deuses!

Recentemente, durante construções na rede ferroviária de Atenas, um tesouro magnífico da história grega foi descoberto, uma obra-prima da cultura helênica: o Altar Sagrado aos 12 Deuses, construído em 552 AEC. Era nele que os devotos iam, no centro da cidade, fazer suas preces. Segundo os arqueólogos, é um tesouro tão precioso quanto a estátua de ouro e marfim da deusa Atena. Esse altar está ameaçado por conta da falta de interesse do Estado grego e da decisão da companhia ferroviária de enterrá-lo o mais rápido possível.

Nosso altar sagrado aos 12 Deuses não pode ficar nas mãos dos lucros da Companhia Ferroviária, do silêncio da mídia e do desinteresse do Ministro da "Cultura" grego. Trata-se de um local sagrado e, agora que reapareceu, devemos defendê-lo. Informe a todos sobre a questão e una suas forças conosco: envie um e-mail para o Ministro da Cultura (grplk@culture.gr) e para a Estação de Trem ISAP (pro@isap.gr) em protesto!

Thyrsos - Hellenes Ethnikoi:
Pela pesquisa, estudo e divulgação da Antiga Cultura Helênica.

http://www.thyrsos.gr


fevereiro 20, 2011

"Família... janta junto todo dia!"

Prolongando um pouco as postagens nas quais falei das maneiras de vermos os deuses, como seus "pets" ou como seus "amores", desta vez vim defender nossa visão como família.

Não sei vocês, mas dentro da minha família há pessoas que me fizeram muito mal, e já vi alguns parentes entrarem em pé de guerra uns contra os outros, com histórias de trapaças e até embates corpo a corpo. E, no final das contas, estamos todos lá juntos e declaradamente irmãos, primos, tios, sobrinhos etc. (Até os monstros da família Addams ficam unidos.) Se nós - com toda a nossa herança titânica de vileza e animalidade - conseguimos deixar o passado para trás e separar as coisas, por que tantos insistem de que esta e aquela deidade "não se dão bem" e não podem ser colocados juntos no mesmo espaço?

Além de a mitologia lidar com símbolos, o fato de os deuses efetivamente tomarem partido de um lado e outro na Guerra de Tróia há milênios atrás não quer dizer que eles tomaram birra, fizeram beicinho e emburraram metade de cada lado do mundo e do Olimpo pelo resto das eras. E, mesmo no mito, quando Hefesto tenta violentar Atena e o sêmen cai na terra, Atena considera o filho de Gaia como sendo dela própria com ele. Se Páris escolhe Afrodite em detrimento de Atena e Hera, é ele o abestado de ficar dividido, não acho que três DEUSAS iriam ficar de frescurinha para sempre por conta da decisão de um pastor que há muito já morreu.

É engraçado como uma hora falam tanto de opostos complementares que se equilibram e em outra fazem questão de inimizar deidades baseando-se em algum recorte da história sem considerar todo o resto. Dionísio é um que costumam opor a Hera, sendo que foi ele que a ajudou no rolo que estava dando com Hefesto. E também não acredito que seja por acaso que a planta de Dionísio se chame "hera" em português. O próprio Héracles a quem a deusa teria tanto perseguido carrega no nome uma homenagem à própria. E, falando de imposição de tarefas, se Afrodite não tivesse exigido-as de Psiquê, esta não teria evoluído a ponto de merecer ser deificada e nem Eros teria crescido e adquirido a maturidade necessária para sair da casa da mãe. E que irmão nunca pegou o brinquedo do outro como Hermes roubou as 'pelúcias' (ovelhas) de Apolo?

Uma vez eu estava conversando sobre isso com o Jota e ele me lembrou que Otto fala das divindades não serem invejosas entre si, que eles apenas não admitiriam serem subestimados. É como sempre procuro reforçar com relação ao métron (justa medida): o "nada em excesso"; então é claro que não se trata nem de algo do tipo 'todo mundo é feliz, vamos dar as mãos e abraçar a criação', mas também não é algo do tipo 'sou teimoso e guardo rancor igual adolescente'. Fui então dar uma checada no Otto, e eis algumas coisas que eu trouxe de lá (com negritos meus):
"A divindade grega [...] não faz destacar-se a sua personalidade com base no ciúme de outros deuses. Ela não espera que o homem viva para servi-la, nem que realize suas melhores ações para glorificar sua pessoa. O culto que para si reivindica não é de tal ordem que ao lado dele nenhum outro possa ser admitido. Ela se alegra com a liberdade do espírito e requer da vida humana muito mais sentido e inteligência que a fidelidade a determinadas fórmulas, atos e objetivações." (Walter Friedrich Otto, 'Os Deuses da Grécia', pag. 231)

"Atena [...] por certo exige, como qualquer outro deus, que seu poder e sua sabedoria sejam reconhecidos e que o herói não se julgue capaz de prescindir de sua ajuda. Mas nem por isso ela faz depender seu auxílio de que a pessoa se dedique a seu serviço com fervor ou mesmo com exclusividade. [...] De sua própria boca ouvimos que é a coragem do valoroso que a atrai, não a boa vontade ou a dedicação à sua pessoa. [...] Em seu famoso diálogo com Odisseu (Odisséia 13, 287 e seguintes) [...], ela lhe diz diretamente que é o seu espírito superior que a agrada e o liga solidamente a ela". (Walter Friedrich Otto, 'Os Deuses da Grécia', pag. 214)
Aliás, Atena é uma que o povo gosta de rivalizar com Ares. Isso é uma coisa que nunca entrou na minha cabeça, eu inclusive os colocava no mesmo altar de guerra. Nesse quesito Otto parece concordar com a visão fechada da guerra como algo nocivo e diz que Ares - que teria "eterno amor a contendas, guerras e batalhas", sendo um "destruidor" de homens - não se daria com o espírito grego da temperança. Eu não entendo assim, eu acredito que uma das demonstrações de temperança é saber o momento certo para cada coisa, e, no meio da guerra - no calor da batalha -, há de se ter mesmo sangue frio. Quando Otto aponta o fato de Ares não se importar com de que lado está lutando, desde que a guerra continue, eu vejo certo preconceito do autor (que inclusive diz que Ares muda de lado só para se "refestelar" com o combate). Para mim, isso é mais questão de ser um soldado e guerreiro do que de ser inconstante ou volúvel; um soldado que apóia todos os soldados, independente de sob qual comando estão. Quem não pode mudar de lado é Atena, porque ela sim é a general, a estratégia, o mental, a que precisa ser racional e coerente. Ares é o fogo, ele vai duelar, pelejar, batalhar, com quem tiver para lutar com ele; é como se ele estivesse em um constante exercício de alerta. E não consigo ver um exército feito só por soldados ou só por generais, essas duas figuras têm que trabalhar juntas, têm que cultivar um bom relacionamento, têm que se complementar.

Por falar nisso, acho que nem preciso me demorar neste texto relembrando a oposição que Nietzsche coloca para Apolo e Dionísio, porque esta - além de didática - sempre foi de complementaridade mesmo.

Só espero que mais uma vez isto ajude a desfazer fórmulas pré-concebidas que as pessoas não têm o costume de questionar. A religião dos gregos antigos era extremamente racional, não se podia acreditar em uma coisa sem antes investigá-la ao máximo, até que ela fizesse algum sentido. Por isso me entristece ver pessoas repetindo o que outras dizem só por lhes terem um crédito de confiança e não sabendo argumentar quando alguém aponta reflexões contrárias que possuem toda uma lógica sustentando-as. É por isso que, quando nós (reconstrucionistas) insistimos em trazer textos e teoria, é apenas para fundamentar a nossa prática e termos certeza do que estamos fazendo, e não para exibir um conhecimento não-refletido e que não encontra ressonância na realidade cotidiana...

Mas lembrem-se: sem rivalidades, pois na nossa família somos "tutti buona gente"!