julho 26, 2019

Da Dor


"Será que você vai saber
O quanto penso em você
Com o meu coração?
Quem está agora ao teu lado?
Quem para sempre está?
Quem para sempre estará?”
(Legião Urbana)


Ontem assisti à palestra de uma psicóloga sobre o tema do suicídio. Ela trouxe dados do tipo: de cada 17 pessoas que pensam em se matar, 5 traçam um plano de como vão fazer isso, 3 realmente tentam e 1 consegue. Então as estatística são sempre maiores nessas proporções. E as principais coisas que levam a esses pensamentos são 4 Ds: depressão, desespero, desesperança e desamparo. 

Pra mim a desesperança vem atrelada à incerteza, a não saber o que vai acontecer, no que alguém está pensando em fazer, que decisão radical poderá tomar. Isso vai me trazendo o desespero e a depressão, e sentir desamparo é quase que inevitável quando a incerteza vem exatamente da única pessoa com quem você costuma contar. 

Nessas horas a gente tem que se apegar à energia de Perséfone para não sucumbir ao Hades. Ela pode te fazer processar as coisas, enquanto que chegar nele não tem saída. O torpor do narciso que Perséfone colhia e sua ligação com as coisas ocultas podem te ajudar a conhecer outras formas de consciência, ainda que despertas e racionais. Precisamos intelectualizar para não patologizar o que sentimos. 

Muitas vezes somos nós mesmos que amplificamos o problema, outras vezes é o outro que o torna um maremoto. Mas não é morrendo nem matando que vai fazer ficar tudo bem. Esse racionalizar me ajuda às vezes. Das coisas que penso: E se os suicidas forem pra um lugar pior depois da morte? E, se depois de vencer isso, fosse me acontecer algo muito bom? E se matar o fulano me trouxer "carma ruim"? E se o espírito dele ficar me vigiando e me atrapalhando? Enquanto houver essas 'desculpas', ainda será sinal de que eu só desejo acabar com o sofrimento e não com a vida. 

Voltando à deusa, foi Perséfone quem ajudou Orfeu. E acho curioso que, toda vez que penso no tema da morte, me lembro que ainda não decorei os versos órficos que precisamos dizer a ela quando atravessamos pro outro lado. Por mais que eu tente, na hora decoro e depois me esqueço. Acho que isso é meu inconsciente se recusando a me deixar desistir de tentar ficar.

A gente não pode esperar que as pessoas sejam perfeitas, nem pode achar que somos melhores que elas também. Não dá para ficar comparando sofrimento. Cada um carrega a pedra que é capaz de suportar. O que precisamos é não deixar que vire uma pedra de Sísifo que nunca evolui nem transcende. 

Eu ainda não sei qual será a conclusão do meu sofrimento atual. Não sei que pena terei que cumprir. Nem questiono se será justa. Mas escrever sobre a dor me ajuda a aguentar mais um pouquinho até saber o desfecho dela. Isso me lembra que eu gostava de dois livros da Marguerite Duras ("O Amante"e "A Dor"). Acho que para ela também funcionava lidar com isso escrevendo. 

Outra coisa que me ajuda é música. (Olha aí Orfeu de novo.) Acho que isso é algo que ajuda muita gente. Alguns colocam música alegre para espantar a tristeza, outros colocam música depressiva para expurgar de vez tudo o que se está sentindo, talvez até para ter essa sensação de que não é o único, que não está sozinho na dor.

Um dos possíveis significados do nome de Perséfone é "a que destrói a luz", por isso que é nela que penso quando estou nesses lugares sombrios da minha mente e coração. Ela ajuda a atravessar entre os mundos. E quando essa dor é por causa de algo do passado, talvez a gente precise se lembrar da Medusa, a que petrifica, aquelas coisas que fomos cristalizando e que não conseguimos destruir. Talvez um espelho te ajude, como ajudou Perseu. Olhe como você cresceu e tudo o que já venceu e como pode realizar mais feitos heróicos ainda... 


Mas, se você ver alguém triste, o que não funciona é dizer "fica bem". Esse 'conselho' não ajuda, porque ninguém escolhe estar triste. A gente pode escolher permanecer remoendo, mas não é com frases motivacionais que se sai do ciclo. Na palestra foi falado que a sociedade ainda não sabe lidar com a tristeza dos outros. 

Então ou a gente procura ajuda profissional ou usa dos artifícios que conhece que nos fazem sentir melhor. Se for muita coisa para superar, não tenha vergonha de pedir essa ajuda. Eu ainda vou esperar o meu desfecho antes de saber a quem recorrer - seja deus ou mortal. Mas se você também está às voltas com esse tipo de energia, não se cale, conversar ou escrever serão sempre catarses válidas para lidar com o que polui o nosso templo (físico, mental e espiritual).

Desejo sorte e paz para a gente. E que o amor prevaleça sobre o erro.