agosto 06, 2013

Antigos Cultos de Mistério - parte 4

Uma característica primordial dos mistérios é o 'makarismos', a exaltação do estado abençoado daqueles que "viram" os mistérios. Essas "testemunhas oculares" eram chamadas de 'epoptai'. Os festivais de mistério devem ter sido eventos inesquecíveis, daqueles que proporcionam experiências que mudam nossa existência e influenciam toda uma vida futura. O efeito esperado era de que algo estivesse prestes a acontecer na alma, como um encontro com o divino. Psicologicamente falando, era uma experiência de mudança de consciência, bem diferente de algo que se encontraria na vida cotidiana. Nesta postagem, veremos algumas afirmações dos antigos sobre os mistérios.

Aristóteles dizia que no estágio final dos mistérios, não haveria mais "aprendizagem" ('mathein') e sim "experiência" ('pathein') e uma mudança no estado mental ('diatethenai'). Um prato dourado de Thurii trazia as palavras "fique feliz de ter sofrido o sofrimento que você nunca sofreu antes". Aelius Aristides diz que Eleusis era tanto a experiência mais assustadora quanto a mais resplandecente entre tudo o que é divino para o ser humano. Dio de Prusa foi ainda mais explícito:
"Se alguém trouxesse um homem, grego ou bárbaro, para ser iniciado em um retiro místico, sobrepujado por sua beleza e tamanho, de forma que ele presenciasse muitas visões e ouvisse muitos sons do tipo, com escuridão e luz aparecendo em repentinas mudanças e outras coisas inumeráveis acontecendo; e mesmo - como fazem na chamada cerimônia de entronização ['thronismos'], nas quais os iniciandos se sentam e os outros dançam em torno deles - se tudo isso estivesse acontecendo, seria possível que tal homem não conseguisse experimentar simplesmente nada em sua alma, que ele não viesse a conjeturar que há algum plano e percepção mais sábios em tudo aquilo que estava acontecendo, mesmo tendo ele vindo da mais extrema barbárie?"
O filósofo estoico Cleanthes fazia essa comparação do cosmo conhecido (a dança das estrelas e do sol em torno da terra) com um salão de mistério. Sopatros, numa descrição retórica da experiência de Eleusis, disse que saiu do salão dos mistérios sentindo-se um estranho a si mesmo. Marco Aurélio colocava os mistérios numa categoria entre as visões oníricas e as curas miraculosas. 

Dio Crisóstomo descreve os estranhos aos portões do salão como servos dos mistérios, os quais, do lado de fora das portas, adornavam os pórticos e os altares públicos, mas que nunca entravam; eles ainda percebiam algumas das coisas acontecendo lá dentro, seja uma palavra mística que alguém gritava, seja o fogo que era visto sobre os muros, mas eles continuavam sendo servos, e não "iniciados" ('mystai').

Diz-se que Diágoras de Melos teria contado pelas ruas segredos dos mistérios, assim como um escritor gnóstico naasseno da "seita da serpente" teria exposto segredos. Assim, temos dois lampejos da celebração: "os atenienses, celebrando os mistérios Eleusinos, mostram aos 'epoptai' o grande, admirável e mais perfeito segredo epóptico, em silêncio, uma espiga de milho ceifada" e "O hierofante, na noite em Eleusis, celebrando os grandes e inexprimíveis mistérios ao pé de um grande fogo, gritando que A Senhora deu à luz um filho sagrado, Brimo gerou Brimos". 

Plutarco tenta descrever o presumido processo de morte em termos de uma iniciação nos mistérios. Ele diz que, no momento da morte,
"a alma sofre uma experiência similar a aqueles que celebram grandes iniciações... Perambulações errantes no começo, cansativas caminhadas em círculos, alguns caminhos aterrorizantes na escuridão que não levam a lugar nenhum; e então, imediatamente antes do fim, todas as terríveis coisas, pânico e tremedeiras e suor, e assombro. E então alguma luz maravilhosa vem te encontrar, regiões puras e prados estão lá para te saudar, com sons e danças e solenidades, palavras sagradas e visões sacras; e ali o iniciado, agora perfeito, se liberta e se solta de toda servidão, caminha em torno, coroado com uma grinalda, celebrando o festival unto com as outras pessoas sagradas e puras, e ele olha para baixo, para os não-iniciados, para a multidão não-purificada neste mundo, em lama e névoa debaixo de seus pés".
Um dos textos mais influentes sobre a experiência dos mistérios aparece no "Fedro" de Platão. Já em "O Banquete", quando Eros revela sobre o verdadeiro Ser, diferenciando a "iniciação preliminar" ('myein') e os "mistérios perfeitos e epópticos", ele provavelmente estava se referindo a Eleusis. Em Fedro, Platão acrescenta a imagem inesquecível da carruagem da alma subindo até o céu no despertar dos deuses, para cima do mais alto cume, onde uma visão além do céu é possível. Alguma memória turva dessa visão permanece em certas almas, ressurgindo repentinamente através de algumas imagens de beleza encontradas neste mundo. Quando isso acontece, nos lembramos do quão resplandecente era a beleza que vimos, quando estávamos juntos com o coro abençoado, tendo uma alegre visão, celebrando o encontro na iniciação mais abençoada de todas, como 'mystai' e 'epoptai', felizes aparições de puro esplendor, totalmente purificados. 

O único relato de experiência com os mistérios escrito em primeira pessoa foi o da iniciação a Ísis, feito por Apuleio, em "Metamorfoses". Porém, além de ser um texto de ficção, em um estilo meio de romance paródico, ele é figurativo e jocosamente insinuativo, com a clara intenção de frustrar nossa curiosidade. Eis a introdução de uma das partes mais citadas:
"Eu me aproximei da fronteira da morte, eu coloquei os pés na trincheira de Perséfone, eu passei por uma jornada através de todos os elementos e voltei. Eu vi à meia-noite o sol, brilhando em luz branca, eu me aproximei dos deuses do mundo superior e inferior, e os adorei de perto."
O poeta Mesomedes, em seu Hino a Ísis, se refere a um "casamento subterrâneo" e ao "nascimento de plantas" - o que nos lembra Perséfone - e a "os desejos de Afrodite, o nascimento de uma criança, o perfeito e inenarrável fogo, os Curetes de Reia, a ceifa de Cronos, o auriga - tudo isso sendo dançado para Ísis". O nascimento da criança e o grande fogo, a colheita do grão, e o auriga Triptolemo, claramente são cenários eleusinos. Mas claro que esse resumo mítico não substitui a experiência.

A "senha" ('synthema') para os Mistérios de Eleusis, que conhecemos por transmissão de Clemente de Alexandria, era algo intencionalmente enigmático: "eu jejuei, eu bebi do 'kykeon', eu tirei do cesto coberto ['kiste'], eu trabalhei e coloquei de volta no cesto alto ['kalathos'], e dali para dentro de outro cesto ['kiste']". O que significa esse "trabalhar" é incerto, mas a explicação mais plausível vem de Teofrasto, sobre pilar o grão, como se o iniciado tivesse que triturar um pouco de grão em um pilão. O simbolismo desse ato é que continua obscuro.

Clemente também fala que, nos mistérios da Méter, o 'synthema' era parecido, mas se referia a instrumentos musicais: "Eu comi do 'tympanon' [tambor/pandeiro], eu bebi do 'cymbalon' [címbalo/pratos], eu carreguei o 'kernos' [vasilha] da mistura, eu deslizei sob o 'pastos' [pálio/dossel]" ou, em outra versão, "eu me tornei um 'mystes' [iniciado] de Átis". Aqui o pálio/dossel (cortina da cama) provavelmente é uma alusão a casamento.

Ainda nos mistérios da Magna Mater, o famoso 'taurobolium' é na verdade descrito por autores cristãos: o iniciando, agachado em um poço, é inundado com litros de sangue do touro agonizando acima dele. Ainda assim, se a descrição era mesmo fiel, esse emergir do poço e ser "adorado" pelos outros, como se o iniciado tivesse alcançado um estado superior, certamente provocava um sentimento de liberação e de nova vida, após escapar do horror anterior.

Os mistérios de Mitra são quase sempre algo à parte. Para começar, não havia uma única iniciação, mas sete graus de iniciados: o corvo, a crisálida, o soldado, o leão, o persa, o corredor-do-sol, e o pai. Respectivamente: 'korax/corvus', 'nymphus', 'stratiotes/miles', 'leo', 'Persa', 'heliodromus', 'pater'. Então fica mais complicado falar do culto mitraico aqui.

Um testemunho relacionado com iniciações dionisíacas enfatiza a purificação e a mudança de status ou até de identidade. No discurso de Demóstenes contra Ésquines, encontramos relatos sobre uma cerimônia noturna a qual incluía colocar uma pele de gamo/cervo e encher um 'krater' (jarra em forma de taça) com vinho. Ali, os iniciandos, sentados, são então lambuzados com uma mistura de barro e resíduos de cereais; o sacerdote surge da escuridão como se fosse um espírito aterrorizante; os iniciados são limpos e se erguem de pé, exclamando "eu escapei do mal, eu encontrei algo melhor", e os presentes gritavam em uma voz aguda e alta ('ololyge') como se estivessem na presença de algum agente divino. Na manhã seguinte, os iniciados eram integrados ao grupo de celebrantes, com o 'thiasos' se movendo pelas ruas, pessoas coroadas com funcho (erva-doce) e álamo/choupo branco, dançando e pronunciando gritos rítmicos, carregando o 'kiste' (cesto) e o 'liknon' (peneira), e alguns brandindo serpentes vivas. O terror teria se tornado algo administrável para o iniciado.

Há uma interessante iconografia referente às iniciações a Dioniso, a começar pelo famoso afresco da Vila dos Mistérios em Pompeia (vide imagem abaixo) e os relevos da Vila Farnesina em Roma, e passando por relevos arquitetônicos, cenas em sarcófagos, e um mosaico na Algéria que enfeitava um aposento de culto. O item mais intrigante dessas imagens é um imenso falo ereto em uma peneira ('liknon'), coberto por um pano, sendo desvelado ou por uma mulher ajoelhada ou por um sileno em frente de um rapaz que avança. [De uma forma geral, procissões com falo sempre estiveram presentes no culto a Dioniso. Mas um falo não era um segredo maior do que uma espiga de grãos; o mistério não estava no objeto.] O friso da Vila segue uma sequência: começa com uma mulher entrando pela esquerda e prosseguindo até a purificação, um breve idílo de vida satírica, a revelação misteriosa do deus no centro do mural, duas manifestações principais de Dioniso (sátiros manipulando uma tigela prateada e uma máscara, e uma garota desvelando o falo), depois uma cena de flagelação e uma dança frenética (indicando uma espécie de humilhação e a alegria/êxtase final).



Enfim, existia um paradoxo dinâmico de morte e vida nos mistérios, associado com os opostos de noite e dia, escuridão e luz, abaixo e acima, mas nada explicitamente parecido com uma "ressurreição" semelhante aos evangelhos cristãos. Burkert ressalta que, mesmo havendo purificação e aspersão de água, no paganismo não existiria um "batismo" no sentido de imersão em um rio ou bacia para renascer para uma nova vida. Mesmo nos santuários de Ísis, onde havia um receptáculo de água, o que poderia parecer uma referência ao batismo, o que existia mesmo era o uso dessa água para representar a enchente do Nilo. Lembrem que o helenismo não pertence a um mundo de opostos do tipo "bem x mal", um vencendo o outro, e sim de uma busca pelo equilíbrio, pela justa medida, pois é no 'métron' que reside a virtude.

[continuaremos o assunto na próxima postagem]

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