Como falamos de OIKOS (casa, lar, ambiente) na postagem anterior, vamos falar de PLOUTO (riqueza, abundância, prosperidade), o meio de sobrevivência de cada casa, pois este preenchia seus estoques e formava a base para os negócios que tornavam o lar auto-suficiente. Dentro da casa, Zeus Ktesios (Doméstico) preservava as riquezas do lar, da despensa. Cuidar das próprias fronteiras, da casa, das posses, tem a ver com os valores sociais que se opõem à corrupção e ao desperdício. As máximas moderam e se alinham aos valores helênicos, oferecendo essa sabedoria antiga.
Então, eis mais um grupo de máximas que podem gerar dúvidas para discussão:
64. Obtenha posses legitimamente (Δικαιως κτω)
72. Governe suas despesas (Δαπανων αρχου)
73. Seja feliz com o que tem (Κτωμενος ηδου)
79. Trabalhe pelo que você pode possuir (Εργαζου κτητα)
110. Busque o que for proveitoso (Το συμφερον θηρω)
117. Adquira riquezas de forma justa (Πλουτει δικιως)
128. Não confie em riquezas (Πλουτω απιστει)
Desta vez, resolvi agrupá-las em vez de falar de cada uma separadamente, porque é necessário parearmos principalmente a diferença entre as máximas 64/79 que usam "kto" (posses) e as 117/128 que usam "plutos" (riqueza).
Se essas traduções estiverem próximas do real, elas nos fazem pensar que há uma diferença entre 'posses' e 'riqueza' para os antigos helenos no que se refere à maneira que somos capazes de controlar certas coisas que chamamos de posses, enquanto a riqueza seria algo além do nosso controle. 'Kto' se relaciona à propriedade (κτέαρ) material, embora do ponto de vista antigo algumas pessoas se incluíam nisso (escravos, por exemplo). 'Plutos' estaria mais ligado à abundância do planeta, já que Pluto era um dos nomes de Hades, que é da família de quem dá fartura de comida ao mundo (Deméter).
No Hino Homérico a Deméter, encontramos "Abençoado aquele entre os homens na terra a quem elas [as duas deusas] livremente ama: em breve elas mandam Ploutos como convidado à sua grande casa, Ploutos que dá a riqueza aos homens mortais." A palavra "riqueza" nessa linha está como ἄφενος (rendimentos, renda, riqueza, abundância), mas era comum os antigos falarem do deus para representar os dons: a 'ploutos' vem de Ploutos como os cereais/'demetria' (δημητρια) vêm de Demeter.
Mesmo que você pense no mundo como um bem, o corpo (σώμα) do planeta não é um deus, é a manifestação do poder de deuses, da mesma forma que Pluto (riqueza) é uma qualidade de Hades e a Taxis (ordem) é uma qualidade de Zeus. Geia também pode ser considerado um conceito de Terra como elementos/dados (στοιχεία) primordiais, não como o planeta; Geia hoje poderia ser o firmamento de qualquer planeta, não especificamente o nosso. Mas, pensando assim, então os helenos acreditavam que Pluto poderia ser adquirido também - de forma justa ou injusta. Daí a máxima 117.
Hesíodo falou disso em Os Trabalhos e os Dias. Ele exorta seu irmão a adquirir riqueza de forma justa através do trabalho após trabalho, mais do que tentar adquirí-la através de processos judiciais contra os outros, incluindo sua própria família, entre outras práticas injustas. Ele também critica os juízes que não julgam de forma justa ou aceitam propina, o que de novo nos traz algo das Máximas. Eis uma citação: "Aquele que causa dano a outro, causa dano a si mesmo, e planos malignos prejudicam mais ao próprio maquinador".
Hesíodo também diz: "Tanto deuses quanto homens ficam irritados com alguém que vive na indolência, pois por natureza ele é como um zangão sem ferrão que desperdiça o trabalho das abelhas, comendo sem trabalhar [...]. Através do trabalho, os homens aumentam suas riquezas [ἀφνειός] em quantidade e substância, e, trabalhando, eles são muito mais amados pelos imortais", o que nos lembra as Máximas 79 e 64. E mais: "A riqueza [ὄλβον] não deveria ser apoderada/apreendida, pois a riqueza dada pelos deuses é muito melhor, pois se um homem tomar grande soma por meio da violência os deuses logo o obscurecem e aquela riqueza só o servirá por pouco tempo". Não pensem aqui que os deuses são destruidores ao fazer isso, eles apenas estão guardando as leis naturais e ceifando o que semeamos.
"Nada em excesso" ou 'o que é demais nunca é bom'... Platão diz que a riqueza (usando a palavra "ploutos") é parente do luxo e da indolência, da pobreza de sentido e do vício, e ambos do descontentamento. Ou seja, 'ploutos' também pode nos tornar preguiçosos, e isso é verdade, especialmente no mundo moderno em que vamos de carro à padaria da esquina. Mas essas coisas estão ligadas aos nossos desejos e paixões, e "pathos" é a palavra primitiva tanto de paixão quanto doença/patologia. Assim, ficamos indolentes porque não desejamos ser ativos e não há necessidade de fazer nada se tivermos riqueza, ficamos encostados nas conveniências adquiridas e aí ou desejamos mais ou desejamos não perder o que já temos. Esses são "pathoi" (paixões, doenças) e não "ploutos". Nossos desejos e expectativas são a fonte do nosso descontentamento. Por isso a importância das Máximas 73 e 128, para sermos felizes com o que temos e não esperarmos nem dependermos das riquezas.
Lembramos dos estóicos quando falamos sobre refrear as paixões. As paixões/doenças (pathoi) que guardam relação com a riqueza (pluto) podem ser, por exemplo: "spane" - o desejo pelo que não podemos ter, ou um medo da escassez; "philargyria" - desejo e paixão por dinheiro (especificamente dinheiro, e não a riqueza 'pluto' em si); "phthonos" - inveja ou tristeza ao ver a riqueza dos outros; "akhthos" - fardo ou tristeza de ver o que é nosso ser tomado, a perda; "ania" - inquietação que cresce constantemente através da "ashkyne" - vergonha e medo da humilhação; "agonia" - pavor ou medo do desconhecido. Então, a Máxima 73 nos exorta a ser felizes com o que temos, sem essas invejas do que não temos e sem o medo excessivo da perda. Se uma família escolhe viver modestamente ou em luxo em seu 'oikos' (lar), é uma questão deles, não minha. A falta de virtude não é a riqueza nem a deidade da abundância em si, e sim as paixões, desejos, doenças, que residem nos mortais. Quando os estóicos e cínicos pregavam uma vida mais modesta, não era uma rejeição de 'plouto', e sim um refrear das 'pathoi' que são dirigidas às posses.
Já na Máxima 128, temos "apisti" (pistis = fé, confiança; a = forma negativa), logo: não confie, não bote fé. Daí podemos tirar várias compreensões. Uma delas é que não podemos confiar de que a riqueza que temos vai durar, e que as riquezas que temos (dinheiro, amizades, posses, qualidades etc) não podem ser tomadas como certas ou tratadas como algo que nunca iremos perder. Há quem diga "não preciso me preocupar em trabalhar ou em preservar o que eu tenho, porque as coisas simplesmente virão até mim por eu ter fé". Isso simplesmente nos leva (no melhor dos casos) a negligenciar as coisas ou (no pior dos casos) a uma obstinada destruição. Outra compreensão é a de que não devemos pensar que uma pessoa rica necessariamente é alguém com quem os Deuses foram favoráveis, supervalorizando as posses de alguém. Devemos olhar além da riqueza (ou da falta de riqueza) da pessoa ao avaliarmos suas virtudes. Há muitos casos históricos de gente querendo validar sua superioridade através do seu dinheiro. "Não confie, não bote fé" nelas.
Voltando à distinção entre posses (kto) e riqueza (pluto), não podemos botar fé nas riquezas porque não podemos possuir algo inanimado. A riqueza (pluto) deriva diretamente da terra, está sujeita a leis maiores. Podemos possuir partes da terra, mas não a possuímos da mesma forma que possuímos um carro ou uma roupa.
O curioso é que Platão apresenta uma rejeição à plutocracia. Das cartas que escreveu antes de morrer, ele deixa claro que rejeita a corrupção e a falta de reforma nas leis por aqueles que detêm o poder. Então, entendemos que o que ele acha ruim (kakós) é o apetite e o desejo por riqueza (pluto) e não a deidade (Pluto). Platão rejeita a plutocracia sem filosofia, pois isso nos levaria a um governo desonrável. Ele estava mais encorajando a filosofia do que rejeitando a riqueza. Até porque, em outras passagens, vemos que ele estava ciente das ações dos aristocratas de Atenas, que contribuíam com muito de suas riquezas para a cidade. Os cidadãos mais ricos de Atenas tinham que executar "liturgias" - serviço público - provendo de fundos as maiores celebrações e produções teatrais e até provendo de navios e tripulação a marinha ateniense. Não existia isso de ficar sentado desfrutando da riqueza enquanto sua cidade e seu povo decaíam. Uma cidade cujas aquisições eram limitadas era uma cidade menos próspera de arte e artesanato, por isso temos mais monumentos e artefatos e poetas e filósofos em Atenas do que em Esparta. E a Máxima 72 não trata justamente de saber governar suas despesas?
Por falar em Esparta, nós entendemos que a tradição espartana tem a característica de desconsiderar o luxo, de tentar ter uma vida com o mínimo possível de posses, acreditando que isso irá auxiliar-nos em favor da virtude (areté); mas isso precisa ser esclarecido. Não é que os espartanos rejeitassem a riqueza na forma de terras e produção agrícola; eles rejeitavam é as demonstrações de ostentação da riqueza como ouro e jóias e enfeites. Tanto que, ao contrário do que poderíamos pensar, eles estranhamente preferiam um governo de oligarquia - de poucos indivíduos, suficientemente 'ricos' - a uma democracia - governo de todas as pessoas.
Heródoto e Tucídides ilustram uma distribuição injusta da riqueza entre espartanos dos séculos V e VI AEC. Heródoto relata de quando os espartanos tinham o direito cívico de possuir diferentes tipos de riqueza móvel, incluindo lingotes de ouro ou prata e moeda estrangeira. Baseado em Tucídides, ele mostra que um dos principais privilégios da sociedade espartana era o direito de participar em "market exchange" (troca de mercado que implica em transações com barganha e negociação de preços) e que o comércio de riquezas móveis existiam entre espartanos e também entre espartanos com não-espartanos.
Agora, trazendo para a nossa época, a questão é que o mundo atual é baseado em uma visão de mundo judaico-cristã que diz que os homens foram feitos à imagem de um deus e que "deixe-os ter domínio sobre o peixe do mar e sobre as aves do céu e sobre o gado e sobre toda a terra e sobre cada criatura rastejante que se arrasta sobre a terra" (Gênesis 1, 26). Quando se coloca o domínio do ser humano sobre toda a terra, isso significa que tudo no planeta, incluso as coisas vivas, estão sob os domínios - ou seja, são posses - do homem; e são posses por um 'direito divino' de domínio sobre a terra. Não é difícil perceber os resultados psicológicos e ambientais dessa ideia no nosso planeta. É bem diferente de ver o mundo natural como algo sagrado, como faziam os helenos, em vez de meras posses de proprietários humanos. É como se os dons concedidos a nós pela combinação do nosso trabalho e relação com a natureza não fossem presentes, e sim produtos daquilo que somente nós fizemos, uma recompensa resultado do que o homem fez e só. Parece que ninguém lembra que essas coisas são transitórias, mudam, se deterioram, se transformam... ou seja, só podem ser 'possuídas' por um dado tempo, sem termos verdadeiro controle sobre isso. Confia-se demais na abundância da natureza e esquece-se da Máxima 128.
No entanto, como o ideal helênico nunca morreu de verdade, podemos vislumbrar seus efeitos em vários autores mais próximos do nosso tempo. Como já falamos, o problema não é a riqueza, ou mesmo o dinheiro, que são necessários, mas sim como ele é usado - se para unir ou para dividir. Ele é um símbolo, no sentido original de 'symbolon' na Grécia Antiga: uma marca de identidade, uma moeda com uma imagem nela, que era quebrada em duas partes, de modo que você a identificava ao juntar as duas metades (semelhante ao que fazem hoje com aqueles colares partidos de almas-gêmeas). A riqueza, o dinheiro, a troca, estão presentes em todas as relações humanas. Ele representa onde depositamos os nossos valores. É só olhar para o que você compra, como você usa o seu dinheiro, com o quê você o gasta - isso diz muito sobre o que é importante para você. Normalmente não empenhamos nosso dinheiro em algo que não damos valor.
"Toda troca com o uso de dinheiro (compra) é também uma relação social em virtude do emprego desse dinheiro, o qual desempenha sua função somente por referir-se à ação potencial de outras pessoas." [...]"O impulso para o ganho, a ânsia do lucro, de lucro monetário, o mais alto possível, não tem nada a ver em si com o capitalismo. Esse impulso existiu e existe entre [...] toda espécie e condição de pessoas, em todas as épocas de todos os países da Terra, onde quer que, de alguma forma, se apresentou, ou se apresenta, uma possibilidade objetiva para isso."(Max Weber, 1913)
"[...] o dinheiro se tornou elemento básico e fundamental da sociedade moderna, interferindo na relação dos homens com seus deuses, assim como na busca de bem-estar e de salvação para os problemas físicos, afetivos, mentais e espirituais". [...]"Sem trocas não é possível a vida em sua plenitude, porque aqueles que se preocupam apenas em dar tornam-se orgulhosos, independentes e isolados, acabando por se afastarem da sociedade, ficando incapacitados de criar vínculos de fraternidade e amor. Por outro lado, aqueles que apenas recebem nunca amadurecem, tornam-se extremamente humildes e crédulos, continuando permanentemente dependentes, podendo chegar até a atitudes de submissão fanática." (Waldemar Magaldi Filho, 2006)
"Vivemos numa época em que o aprender é programado, o habitar urbanizado, os deslocamentos motorizados, as comunicações canalizadas e em que, pela primeira vez na história da humanidade, quase um terço dos produtos alimentares consumidos vem de mercados longínquos. Numa sociedade superindustrializada a esse ponto, as pessoas são condicionadas a obterem as coisas e não a fazê-las. O que querem é ser educadas, transportadas, cuidadas e guiadas, ao contrário de aprenderem, deslocarem-se, curarem-se e encontrarem seu próprio caminho. O que pode ser fornecido e consumido toma lugar do que pode ser feito." (Ivan Illich, 1975)
"...o dinheiro deve ser usado como recordação - lembrando que 'moneta' é derivado de 'moneo' que significa recordar, memorizar. Recordar, fazendo presente no coração o resgate da imaginação, o aflorar da dimensão arquetípica das riquezas que Plutão esconde no Hades, unificando as dimensões horizontais com as verticais na grande roda da vida e da morte. Sem esquecer que para chegar e sair do Hades é preciso reservar as moedas para pagar o barqueiro Caronte. E como o dinheiro é como uma tela na qual cada um projeta e até concretiza as suas fantasias, desejos, necessidades e aspirações existenciais, ele acaba exigindo do sistema monetário uma expansão infinita, podendo desembocar na total insensatez humana, demonstrado inúmeras vezes na história da humanidade, marcada por atitudes maníacas ou depressivas. Por isso, só pelo uso consciente do dinheiro é que as verdades ocultas e reveladoras do si mesmo poderão transparecer e serem manifestas no sentido da individuação." (Waldemar Magaldi Filho, 2006)
Citei duas vezes Magaldi não só por ter sido aluna dele, mas porque ele tem todo um livro falando da relação do dinheiro com a saúde e o sagrado.
Acredito que essas falas exemplificam o que abordamos em geral das máximas que nos ensinam sobre nossas relações com as posses e riquezas. Se essas relações estão incluídas nas Máximas, é por serem um aspecto importante a considerarmos na busca da excelência. Temos que obter nossas posses de forma legítima, as riquezas de forma justa, trabalhar por elas, não confiar no seu aspecto efêmero, governar as despesas, buscar o que é proveitoso/útil e ser feliz com o que temos. Sei que é mais fácil falar do que fazer, mas é para isso que estamos em constante busca e desenvolvimento da 'areté'...
Existe algo um tanto incongruente na nossa sociedade porque, por um lado o mercado estimula a acumulação de mercadorias e riqueza, avaliando as pessoas pela sua capacidade de consumo e poder de compra, mais do que pelo valor humano, sendo útil apenas quem dá lucro e retroalimenta o capitalismo, e, por outro lado, prega-se a ideia de que os ricos são pessoas egoístas, sem ética, corruptas, interesseiras. O maior risco é que a pessoa que detém posses confie demais na sua fortuna para satisfazer desejos de consumo e materiais (o horizontal) e se esqueça de alimentar o lado espiritual (vertical), acabando por coisificar a si mesmo e aos outros. É como a imagem que circula pela internet de "algumas pessoas são tão pobres que a única coisa que elas têm é dinheiro", uma riqueza material de alguém espiritualmente pobre. De novo, parece-nos uma questão do "nada em excesso", de "nem tanto ao mar nem tanto à terra", de equilibrar as várias dimensões da nossa vida.
Além disso, se a questão monetária não fosse um conceito importante, não existiria um deus do comércio...
~ Moeda com Hermes de um lado e um bode do outro, 460-450 AEC. ~ |
Nenhum comentário:
Postar um comentário