Blogagem Coletiva:
Brasileiro já é uma misturinha de coisas, que foram se formando num país humano, hospitaleiro e sem xenofobias. Acrescente-se a isso o fato de estarmos a 510 anos do descobrimento e de não termos apenas a ascendência sanguínea de uma vida atual, fora adotarmos pessoas como mãe/pai ao longo do caminho.
De qualquer forma, deixa eu começar por aí. Em termos de alma, sei bastante sobre uma vida anterior, mais ou menos sobre outra, e alguns relances de outras três. Elas incluíam Islândia, Rússia (Cáucaso), Grécia, Macedônia, Itália, América Indígena e Brasil colonial. E é engraçado como a alma afeta o corpo, já que - quando tentei estudar romeno e grego - os professores costumavam dizer que eu tinha cara de mulher dos Bálcãs mesmo, ainda que esta vida atual nada tenha a ver com essa região. Nesta, do pouco que sei, tenho ancestrais que vieram da França e de Portugal, ainda que nascer na Amazônia e ter grande parte dos parentes numa parte "macarrônica" do sudeste me faça sentir identificação tanto com os índios quanto com os italianos. Um outro fator que sinto formar minha história são as mães e pais que eu fui adotando: minha professora de canto e meu ex-sogro de origem alemã, minha orientadora de psicologia que tinha ascendência turca, minha xamanesa que era judia, e tantas outras pessoas queridas às quais me sinto conectada, ligada, atada, como o tal fio de uma coisa só. Então, acredito que esmiuçar todas essas influências seria um tanto extenso para o que realmente pretendo com esta postagem.
Existe um ritual, que todos conhecemos e não costumamos refletir sobre ele, que é o indício da existência de parentesco entre as pessoas envolvidas. É o famoso comer à mesa. Não é só sentar à volta da mesa. É sentar para comer. Quantas famílias não exigem que se coma em torno da mesa pelo menos uma vez ao dia (ou, no mínimo na ceia de Natal, no Hanukkah, na Ação de Graças, o que seja)? E por que isso? Muitas vezes estamos repetindo uma tradição sem pensar nela como a celebração de uma comunhão. As pessoas que se reúnem para comer estão anunciando que são da mesma carne e mesmo sangue, estão compartilhando pedaços (partes) de uma refeição completa (o todo) que as fazem ser também partes de uma coisa só. Estão declarando suas afinidades de "corpo e sangue" no "pão e vinho" ou "bolo e mel" ou "cevada e água" ou o que quer que seja servido. O importante é partilhar do banquete pela assimilação orgânica que se insere e toma conta do seu corpo em declaração de aceitação do laço que une quem ritualiza com você. Não é à toa que o altar é uma mesa. E a mesa é igualmente um altar. Nela se colocam os frutos da colheita e os sacrifícios (com ou sem sangue). É o tipo de coisa que não só aproxima deuses e homens, mas também os membros da comunidade (que, aliás, também tem o nome de "frátria", de irmandade). Logo, aceitar alguém à sua mesa é tomá-lo/considerá-lo como seu parente.
Talvez por isso que quando nos encontramos com amigos com os quais queremos manter um relacionamento mais próximo nos acabamos saindo para comer. Já repararam? E é por isso que acho importante ver pessoalmente os amigos virtuais nem que seja por um fim de semana, e não teve uma cidade em que fui que não rolou alguma refeição em grupo. Mesmo quando ia visitar alguém mais íntimo, em algum momento não sentávamos à mesa sozinhos/as.
Uma outra coisa nesse tema é a questão do fio, algo que inevitavelmente me lembra o tear dos Destinos. Apesar de o fio ser cortado, encerrando aquela vida, a morte não dá fim à existência da alma nem à sua história e relação com o sagrado de onde ela partiu. E, durante cada vida, cada fio se desenrola em outros e formas novos, ficando complexo, com várias raízes e pontas. Todo mundo é "filho" de alguém e todo mundo faz "fio" com alguém. Nesse sentido, não só adotamos gente como a nossa gente é adotada por outros. Provavelmente, muitos coroinhas viam os meus pais como seus novos tutores e muitos alunos também nos vêem assim. A rede de inter-relações é infinita. Fora o que dizem sobre existir no máximo seis pessoas entre você e qualquer outro alguém no mundo. Enfim, somos uma grande família (e, como toda família, gostamos mais de alguns do que de outros).
O dramaturgo Samir Yazbek, de origem libanesa, uma vez disse: "Aquilo que inicialmente tinha a ver com a minha história era passível de ser universal. Meu pai e minha mãe são também os pais e as mães das pessoas. Esse tema de raízes é muito presente no cotidiano brasileiro com essa grande influência de cultura de imigração".
Raízes. Não deve ser por acaso que, ao traçarmos nossa genealogia, desenhamos uma árvore. Tudo vem de uma coisa só: as folhas dos galhos, os galhos do tronco, o tronco das raízes, as raízes da terra, a terra do planeta, o planeta do universo, o universo... dos deuses, imagino. E os deuses talvez de um Uno semelhante ao ovo cósmico primordial, quem sabe? De qualquer forma, tudo se ramifica e retorna, tudo volta a se juntar algum dia. Independente de ser em sangue, carne, leite de peito, espírito reencarnado, geologia, antropologia, nascimento, sentimento, deuses patronos, fé em comum, ou o que seja.
Este mês aconteceu algo curioso comigo, sonhei com alguém que mora em outro país e que nunca vi pessoalmente e que só tenho contato de interesses religiosos em comum, nunca fui de papear via e-mail ou programa de mensagem instantânea com ele. Ainda assim, meu sonho me mostrava ele incomodado com tomate e molho de tomate, e resolvi contatá-lo para contar o sonho. Qual não foi minha surpresa quando ele disse que ultimamente tem desenvolvido uma alergia a tomates e derivados. Não foi a primeira vez que experimentei essa espécie de conexão que me surge (brota?) sem explicações. Mas eu aprendi a falar dela sem medo, mesmo quando eu não a entendo. Normalmente vai fazer sentido para alguém ou vai me demorar a cair a ficha, mas ela existe, é válida, é um sinal dessa coisa que guardamos em comum com todo o resto do mundo. Se ela vem de antes, da antiguidade, dos ancestrais, o que mais nos une a eles é que fazemos as mesmas coisas: procurarmos por deidades que nos assistam e nos banqueteamos com elas, com os antepassados, com os amigos, e com os que ainda virão.
Memórias, lembranças, saudades, carinho... Isso podemos ter com todos. É só conseguirmos abrir um pouco mais os olhos da alma.
De qualquer forma, deixa eu começar por aí. Em termos de alma, sei bastante sobre uma vida anterior, mais ou menos sobre outra, e alguns relances de outras três. Elas incluíam Islândia, Rússia (Cáucaso), Grécia, Macedônia, Itália, América Indígena e Brasil colonial. E é engraçado como a alma afeta o corpo, já que - quando tentei estudar romeno e grego - os professores costumavam dizer que eu tinha cara de mulher dos Bálcãs mesmo, ainda que esta vida atual nada tenha a ver com essa região. Nesta, do pouco que sei, tenho ancestrais que vieram da França e de Portugal, ainda que nascer na Amazônia e ter grande parte dos parentes numa parte "macarrônica" do sudeste me faça sentir identificação tanto com os índios quanto com os italianos. Um outro fator que sinto formar minha história são as mães e pais que eu fui adotando: minha professora de canto e meu ex-sogro de origem alemã, minha orientadora de psicologia que tinha ascendência turca, minha xamanesa que era judia, e tantas outras pessoas queridas às quais me sinto conectada, ligada, atada, como o tal fio de uma coisa só. Então, acredito que esmiuçar todas essas influências seria um tanto extenso para o que realmente pretendo com esta postagem.
Existe um ritual, que todos conhecemos e não costumamos refletir sobre ele, que é o indício da existência de parentesco entre as pessoas envolvidas. É o famoso comer à mesa. Não é só sentar à volta da mesa. É sentar para comer. Quantas famílias não exigem que se coma em torno da mesa pelo menos uma vez ao dia (ou, no mínimo na ceia de Natal, no Hanukkah, na Ação de Graças, o que seja)? E por que isso? Muitas vezes estamos repetindo uma tradição sem pensar nela como a celebração de uma comunhão. As pessoas que se reúnem para comer estão anunciando que são da mesma carne e mesmo sangue, estão compartilhando pedaços (partes) de uma refeição completa (o todo) que as fazem ser também partes de uma coisa só. Estão declarando suas afinidades de "corpo e sangue" no "pão e vinho" ou "bolo e mel" ou "cevada e água" ou o que quer que seja servido. O importante é partilhar do banquete pela assimilação orgânica que se insere e toma conta do seu corpo em declaração de aceitação do laço que une quem ritualiza com você. Não é à toa que o altar é uma mesa. E a mesa é igualmente um altar. Nela se colocam os frutos da colheita e os sacrifícios (com ou sem sangue). É o tipo de coisa que não só aproxima deuses e homens, mas também os membros da comunidade (que, aliás, também tem o nome de "frátria", de irmandade). Logo, aceitar alguém à sua mesa é tomá-lo/considerá-lo como seu parente.
Talvez por isso que quando nos encontramos com amigos com os quais queremos manter um relacionamento mais próximo nos acabamos saindo para comer. Já repararam? E é por isso que acho importante ver pessoalmente os amigos virtuais nem que seja por um fim de semana, e não teve uma cidade em que fui que não rolou alguma refeição em grupo. Mesmo quando ia visitar alguém mais íntimo, em algum momento não sentávamos à mesa sozinhos/as.
Uma outra coisa nesse tema é a questão do fio, algo que inevitavelmente me lembra o tear dos Destinos. Apesar de o fio ser cortado, encerrando aquela vida, a morte não dá fim à existência da alma nem à sua história e relação com o sagrado de onde ela partiu. E, durante cada vida, cada fio se desenrola em outros e formas novos, ficando complexo, com várias raízes e pontas. Todo mundo é "filho" de alguém e todo mundo faz "fio" com alguém. Nesse sentido, não só adotamos gente como a nossa gente é adotada por outros. Provavelmente, muitos coroinhas viam os meus pais como seus novos tutores e muitos alunos também nos vêem assim. A rede de inter-relações é infinita. Fora o que dizem sobre existir no máximo seis pessoas entre você e qualquer outro alguém no mundo. Enfim, somos uma grande família (e, como toda família, gostamos mais de alguns do que de outros).
O dramaturgo Samir Yazbek, de origem libanesa, uma vez disse: "Aquilo que inicialmente tinha a ver com a minha história era passível de ser universal. Meu pai e minha mãe são também os pais e as mães das pessoas. Esse tema de raízes é muito presente no cotidiano brasileiro com essa grande influência de cultura de imigração".
Raízes. Não deve ser por acaso que, ao traçarmos nossa genealogia, desenhamos uma árvore. Tudo vem de uma coisa só: as folhas dos galhos, os galhos do tronco, o tronco das raízes, as raízes da terra, a terra do planeta, o planeta do universo, o universo... dos deuses, imagino. E os deuses talvez de um Uno semelhante ao ovo cósmico primordial, quem sabe? De qualquer forma, tudo se ramifica e retorna, tudo volta a se juntar algum dia. Independente de ser em sangue, carne, leite de peito, espírito reencarnado, geologia, antropologia, nascimento, sentimento, deuses patronos, fé em comum, ou o que seja.
Este mês aconteceu algo curioso comigo, sonhei com alguém que mora em outro país e que nunca vi pessoalmente e que só tenho contato de interesses religiosos em comum, nunca fui de papear via e-mail ou programa de mensagem instantânea com ele. Ainda assim, meu sonho me mostrava ele incomodado com tomate e molho de tomate, e resolvi contatá-lo para contar o sonho. Qual não foi minha surpresa quando ele disse que ultimamente tem desenvolvido uma alergia a tomates e derivados. Não foi a primeira vez que experimentei essa espécie de conexão que me surge (brota?) sem explicações. Mas eu aprendi a falar dela sem medo, mesmo quando eu não a entendo. Normalmente vai fazer sentido para alguém ou vai me demorar a cair a ficha, mas ela existe, é válida, é um sinal dessa coisa que guardamos em comum com todo o resto do mundo. Se ela vem de antes, da antiguidade, dos ancestrais, o que mais nos une a eles é que fazemos as mesmas coisas: procurarmos por deidades que nos assistam e nos banqueteamos com elas, com os antepassados, com os amigos, e com os que ainda virão.
Memórias, lembranças, saudades, carinho... Isso podemos ter com todos. É só conseguirmos abrir um pouco mais os olhos da alma.
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