novembro 20, 2016

Tirania, Trump, Temer, Textinho...

Vamos olhar o presente com a mente de uma época que nos ensinou a pensar? 


Na antiguidade, a tirania referia-se a governantes que adquiriam o poder através de meios ilegítimos, normalmente com o apoio da pobreza rural, embora nem sempre o tirano fosse um bandidão. Por exemplo, Heródoto descreveu como Pisístrato tomou o poder em Atenas no século VI AEC - simulando uma tentativa de assassinato e convencendo as pessoas de que precisava de guarda-costas, mas relata que o mesmo administrou o Estado de forma constitucional e organizou os assuntos públicos com propriedade e bem. Pisístrato era um tirano que não era ruim. Então "tirano" sem sempre foi um insulto. 

Ainda assim, Platão criticou a tirania, dizendo ser uma forma maligna de governo. Não pela forma em que os tiranos tomavam o poder, mas por causa da alma distorcida dos mesmos. Eles não amavam a sabedoria e a justiça, e sim a aprovação do público e o prazer físico. E, como esse tipo de gratificação é efêmera, os tiranos nunca estavam satisfeitos, procurando cada vez mais prazer até decair à loucura. Hoje costuma-se pensar nas formas de governo como estruturas institucionais, mas - para Platão - a tirania era uma condição psicológica. 

Sócrates argumenta que a alma tirânica tende a surgir nas democracias. Essas almas são especialmente comuns entre os filhos dos homens proeminentes que não desfrutam de tanto prestígio quanto acham que merecem. Os tiranos adquirem o poder quando conquistam a aliança dos pobres, geralmente se voltando contra sua própria classe elitizada no processo. Os paralelos com o ano de 2016 são bem evidentes. 

Apesar de criticar os tiranos como os homens mais infelizes da terra e a tirania como a pior forma de governo, Platão parece ter se perguntado se um governo tirânico poderia ser utilizado para bons propósitos. Plutarco conta que Platão aceitou um convite da cidade siciliana de Siracusa para educar o tirano Dionísio, mas a experiência deu errado: Dionísio expulsou Platão de Siracusa e deu um jeito de vendê-lo como escravo em vez de devolvê-lo a Atenas.

Outros filósofos gregos imaginaram se os tiranos poderiam ser bons governantes apesar dos riscos. Xenofonte, por exemplo, escreveu um diálogo entre o sábio poeta Simonides e o tirano Hiero. Quando Hiero reclama de ser infeliz e solitário, Simonides argumenta de que ele poderia ganhar a estima que ele anseia praticando justiça e governando para o bem comum, assim tanto os desejos do tirano quanto as necessidades da comunidade seriam satisfeitos.

Aristóteles também ofereceu sugestões para a reforma da tirania. Para ele, o tirano deveria se apresentar aos seus súditos não como um tirano e sim como um criado e rei. Se ele não governasse como um tirano, seu poder duraria mais. Aristóteles percebeu que argumentos morais não convenceriam um tirano, por isso apelou para o excessivo desejo de ser estimado que o tirano tem. 

As reflexões gregas sobre tirania emergem quando se fala de uma liderança decisiva em períodos de crise, como se um pouco de tirania às vezes fosse necessária para salvar a democracia. Mas isso só revive o antigo dilema: poderá um governo desses ser o meio para atingir os finais certos ou ele - que já nasce de uma maneira corrupta - corromperá todos que participam dele?

Apesar de reconhecer o lado apelativo da tirania, os gregos nos lembram que os governantes com almas distorcidas são perigosos. Mesmo que eles anseiem pelo apoio das pessoas, os tiranos se preocupam apenas consigo mesmos. Na sétima carta que Platão escreve depois de voltar de Siracusa, ele argumenta que, com relação ao Estado, esteja ele sob um único governante ou mais de um, quando um governo é conduzido metodicamente e da maneira correta, ele pede conselho sobre qualquer detalhe na política, e é função de um homem sábio aconselhar tais pessoas. Mas, ainda segundo Platão, homens sábios e bons cidadãos deveriam se recusar a colaborar com governantes que desprezam a lei e a justiça

De algo que já começa de forma ilegítima e anti-democrática não se pode esperar muita coisa boa. 

2 comentários:

  1. Parabéns pelo blog e pelo site RHB que amo. Sobre a tirania, minha opinião é que tudo que começa errado tende a terminar errado. Maior que o desejo do tirano em ser apoiado pelo povo é o vício de ter um poder que ele pensa ser ilimitado. Começa sempre com um argumento aparentemente justa, baseado em crises ou injustiças, e às vezes até pode ser que o tirano comece com boas intenções no estilo "mal necessário", mas isso abre brechas no seu caráter que muitas vezes pioram com o tempo e o gosto pelo poder de fazer tudo para alcançar seus objetivos. O problema é quando o "fazer tudo" sai totalmente do controle. O poder, na minha opinião, não corrompe ninguém, mas a falta da honra em cada um sim é que corrompe e o poder só agrava isso.
    Então, neste ponto concordo com Platão, homens sábios e bons cidadãos não deveriam apoiar mesmo esse tipo de governante pelo risco enorme. É como colocar a cabeça dentro da boca de um leão e esperar que ele não a morda.

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