outubro 13, 2011

Aprender e Compartilhar

Outro dia dei uma olhada na novela que está acabando, das sete. O que era padre e deu um tempo na batina para tentar namorar ficou amargurado e a sua amada preferiu vê-lo feliz e livre do que com ela. Eu me identifiquei com a conversa que eles tiveram, sobre ele sentir falta das preces, do silêncio, da penumbra da igreja, e até da solidão, e sobre ela sentir que a missão dele era algo maior que as coisas do mundo, que ele não foi feito para amar uma só pessoa, mas toda a humanidade. É difícil explicar isso pros outros, a maioria não acredita que fico mais feliz sem dividir minha devoção com um ser humano e deixar de ter tempo para todos os outros que precisam. Mas é assim mesmo. Os estóicos acreditavam que os professores não deveriam se casar (e não era questão de ser celibatário, mas de 'casar' mesmo), porque as obrigações domésticas tomariam muito do tempo deles. (Hoje a gente tem outras alternativas, as coisas estão mais automatizadas e acaba sendo uma questão de organização e prioridades.) De qualquer forma, quando você abre de verdade seu coração para essa totalidade, quando deixa de se sentir separado do resto, ao mesmo tempo em que você deixa de ter necessidade de estar sempre junto, você deixa de se sentir sozinho.

Já vi muitos casos de peregrinos que chegaram em centros religiosos (seja na Índia, em Compostela, numa tribo afastada etc) procurando se sentir unida àquelas pessoas porque "não há um grupo na minha cidade e eu queria ver como se faz", e o seu orientador (seja guru, seja sacerdote, xamã etc) dizer algo do tipo "se você praticar de coração, seja onde estiver, você estará praticando com todos nós". Portanto, não se sinta vazio porque está inseguro de não ter alguém olhando para ver se você fez certo. Não se sinta menor porque fez as coisas sem uma sequência ou porque seu rito foi muito rápido. Não pense que os deuses não compareceram, se aborreceram com a simplicidade da sua oferta e preferiram ir pro rito de outro 'banbanbam' qualquer do helenismo. Se Eles só pudessem estar em um lugar e momento por vez, não seriam lá muito dignos desse título de 'deuses', não?

A gente sempre vai encontrar dificuldades e dúvidas quando busca fazer as coisas de forma genuína. Quando elas surgirem, não transforme-as em pedras que atravancam seu caminho como se fossem desculpas para não tentar de novo. Não seja orgulhoso demais em admitir as próprias falhas, mas procure entender quais foram, escute-as como se estivesse ouvindo algo de um professor de verdade (porque no fundo está). Não existe um tempo fixo para dizer "daqui a dois anos eu vou entender completamente disso". Em qualquer momento a gente pode fazer besteira. A questão é aceitar e acreditar que aquilo pode ser um presente para nos transformar e nos fazer acordar para algumas coisas que antes não enxergávamos. Não fique confuso com as curvas sinuosas do caminho, pense nelas como um tempo extra que você ganhou para estar na estrada com Eles - afinal, curvas são mais emocionantes e duradouras do que as retas monótonas e previsíveis. Ter fé, aqui, é ter força para continuar por essa estrada.

Agora entra um 'ponto-porém' aqui. Embora você possa fazer algo você-Eles e embora não precise estar fisicamente onde outros estão, ainda é necessário existir alguém/algo que te oriente, o que implica em uma aceitação paciente e amável do que quer que se apresente. Se a gente aprende a prestar atenção (perscrutar) e agradecer por cada coisa, cada presente inesperado, cada folhinha esvoaçante, cada ideia inspiradora, certamente não deveríamos negligenciar a orientação voluntária de um professor instruído, criterioso, informado. Cada coisa ou pessoa que vem à sua frente deveria ser tomada com um amor e devoção sinceros. Nossos 'mentores' são ligações importantes, são laços personificados com os caminhos divinos que vão se desdobrando em nossa direção, se revelando além das névoas do desconhecido. Não dá para achar sua cadeira no teatro desse espetáculo sem um lanterninha pra te guiar, e nem dá para encontrar um bom lanterninha se você não demonstrar a intenção de vislumbrar - admirado - o espetáculo.

Convém lembrar também que o lanterninha, o professor, o orientador, é um ser humano. Ele espera uma conexão. Você saberia responder o que ele acha mais importante no momento? Você pensa sobre as coisas que ele lhe apresenta? Você é honesto ao contar-lhes suas experiências e reflexões? Você se coloca no lugar dele e pensa também no que ele faria no seu lugar? Você agradece a ele? Você demonstra o que ele significa para você? O que você oferece em troca? Qual a sua contribuição nesse 'banquete'? Concentração, empatia e gratidão podem fortalecer e tornar as relações mais leves, mais alegres... Pra que esperar uma crise para precisar sentir a falta e tentar correr atrás de recuperar o perdido? Aproveite o tempo que você tem com os que se dispõem a caminhar com você. E pise com gentileza pela trilha. Valorize suas conexões. Todos podemos aprender uns com os outros -- ou, como pregaria Platão, ajudar a nos lembrarmos do que sempre soubemos.

Pensando nisso, o RHB está formando orientadores. No próximo ano civil eu espero que já os tenhamos mais disponíveis. A princípio eles já podem responder suas dúvidas e atuar como oráculos. Mas nossa intenção é ir além e ajudar cada vez mais, com organização e disciplina. Já ouvi falar que algumas pessoas se identificam mais com este ou com aquele outro, e acredito que essa afinidade ajuda na motivação. Assim, sugiro que vocês já vão conhecendo nossos queridos voluntários e criando seus laços com eles. Até porque eles irão formar outros. Ainda sonho com uma rede que não é corrente, com uma rede flexível e firme o bastante para não deixar ninguém se machucar ao dar um passo em falso no trapézio. É essa rede que eu espero formar para o nosso grupo. Uma rede com laços mas sem nós, mais resistente que metal de elo de corrente que machuca, e mais macia também.

Parece que comecei falando de uma coisa e fui puxando outra e acabei formando um texto-tricô, rsrs. Mas acho que no fim das contas o sentido dessa malha foi capturado e vai te ajudar a enfrentar o frio. Ao menos conto com isso. Porque a gente não é e nem está sozinho. 

;))

3 comentários:

  1. Oi Alex!

    Realmente, o final do texto é sobre um tema bem diferente do começo! Mas é uma cadeia de racioncínio bem compreensível!
    O texto está super bacana, mais uma vez você soube colocar em palavras coisas que, mesmo se eu quisesse dizer, eu não conseguiria.
    E, puxa vida! Que idéia boa, que coragem e disposição essa do RHB de ter tutores. Isso é, não só, muito interessante, mas muito diferente do que se faz no Brasil, é, para nós, muito inovador! Parabéns para vocês, parabéns por conseguirem praticar o que acreditam (não é tão fácil quanto parece!), e, desejo muita prosperidade para esses e outros projetos dos envolvidos!
    Um abraço!

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  2. "ão se sinta vazio porque está inseguro de não ter alguém olhando para ver se você fez certo. Não se sinta menor porque fez as coisas sem uma sequência ou porque seu rito foi muito rápido. Não pense que os deuses não compareceram, se aborreceram com a simplicidade da sua oferta e preferiram ir pro rito de outro 'banbanbam' qualquer do helenismo."

    "A questão é aceitar e acreditar que aquilo pode ser um presente para nos transformar e nos fazer acordar para algumas coisas que antes não enxergávamos. Não fique confuso com as curvas sinuosas do caminho, pense nelas como um tempo extra que você ganhou para estar na estrada com Eles - afinal, curvas são mais emocionantes e duradouras do que as retas monótonas e previsíveis. Ter fé, aqui, é ter força para continuar por essa estrada."

    É impressionante a quantidade de pessoas que realmente pensa assim. E que acaba, às vezes, até achando que está no caminho errado, quando não é verdade. Somos apenas nós que não fomos treinados corretamente a, ao mesmo tempo, confiarmos em nós mesmos e sentir os sinais (às vezes nem tão) sutis.

    Poderia comentar mais, mas acho que já falei bastante, né? Obrigada pelo texto Alex, e, mais uma vez, parabéns!

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