Ontem perguntaram para a Tanakht do Kemetismo Ortodoxo (Reconstrucionismo Egípcio) se eles eram neopagãos. Ela respondeu que, por definição, não. Então perguntaram-lhe se nós também não éramos, e ela veio confirmar comigo. Como ainda tem gente que se confunde, porque há a permissão de cada pessoa se autodenominar como quiser e porque há a participação de reconstrucionistas - kemets, helênicos, druidas etc - em encontros neopagãos, talvez seja importante (re)explicar nossos motivos.
O primeiro deles - e o mais conhecido - é que 'pagão' vem do latim 'pagus' que se refere a um distrito rural, o campo, enquanto a religião grega é mais de 'pólis', cidade, razão pela qual alguns anglófonos brincam que não são 'pagan', mas 'urban'.
Essa etimologia latina é do tempo do romano Virgílio, mas os motivos não pararam por aí. Na época de Tertuliano e Prudêncio, da Galícia, "pagão" era sinônimo de pessoa corrompida e impura - por não ser batizada no cristianismo, como muitos romanos e outros que se mantinham na religião antiga. Então, para não ficarem associados a essa carga negativa/pejorativa de "pagão" ("pagan"), os judeus passaram a ser chamados de "gentios" ("heathens") - termo que vocês podem notar aparecendo no filme Ágora, de 2010.
Só que os cultos não-galícios eram muito diversos: judaísmo, budismo, mitraísmo, helenismo etc, e ficaria complicado colocar todos sob o mesmo 'guarda-chuva' lexical. Foi aí que o imperador Juliano, o apóstata, remetendo-se a Iamblikhos (século IV), renomeou o sistema de crenças que não era nem galileu, nem judeu, nem pagão, nem romano, chamando-o de Hellenismos. Assim não estaríamos associados nem a pessoas impuras, nem ao campo, nem a gentios, nem a quaisquer outras crenças diversas.
No entanto, se você acha que ser "neopagão" é algo completamente diverso das denominações originais do que era ser "pagão", no seu contexto e proposta, então você tem todo o direito de se considerar neopagão. (Ou você pode entrar na nossa brincadeira gringa de "urban pagan", rsrs.)
Seja qual for a 'etiqueta' que escolhamos, o importante é saber explicar a sua escolha, saber definir o que você entende pelo nome que você adota, e não simplesmente se autodenominar de um jeito só porque todo mundo se chama assim. Uma coisa é escolher conscientemente, outra é seguir cegamente uma turma sem saber o que está fazendo, sem conhecer os motivos, pois isso seria agir com ignorância ou - o que seria ainda pior (segundo Platão) - agir por opinião (achismo).
O filósofo Epiteto dizia para conhecermos a nós mesmos e só então nos vestirmos de acordo. Portanto, saiba a sua verdade antes de vestir a camisa de um grupo que não ressoe a essência do que existe em você.
Gostei do texto =) Acho que as vezes a gente acaba abrindo mão de corrigir e de "falar certinho" ou pra se fazer entendido (o que acaba comprometendo o entendimento, já que, se dar outro nome indica dizer outra coisa) ou pra não ser o cara chato da história, é assim que eu tenho interpretado as coisas. Não me vejo como neopagão, primeiro, porque como Heleno não me vejo dentro de uma cultura religiosa de pagus, de campo. mas sim algo urbano, daí a palavra etimologicamentenão me cabe, em segundo lugar vem a questão histórica, não quero ser identificado com algo que não me cabe, mesmo que seja parte da história da vida religiosa que me escolheu e que escolhi pra mim; e além disso tem a questão ideológica, é como a diferença entre dizer 'sou católico' e sou 'católico apostólico romano'.
ResponderExcluirAi amor rss Adorei o texto e veio bem a calhar! Estava conversando sobre essa assunto com um amigo meu e comentei que em geral não nos chamamos de neopagãos por causa da questão do sentido de "pagus" mesmo e ele falou que isso soava preconceituoso anyway! Aí brinquei e falei que o correto seria que nos chamássemos neopolíticos kkk
ResponderExcluirThi, sim, inclusive os catolicos ortodoxos gregos se diferem bastante dos apostolicos romanos.
ResponderExcluirJota, político não... Já que o adjetivo para 'metrópole' (metro+polis) vira 'metropolitano', acho que "neopolitanos" fica mais legal e parecido com sabor de sorvete, kakaka!
Ai que loucura!!kkkk
ResponderExcluirDifícil mesmo de se definir quando muitos de nós, como eu, são uma mistura maluca de conhecimentos adquiridos de fontes e culturas diversas. Por falta de denominação que descreva exatamente o que sou, falo logo, em tom sarcástico, que sou uma porra louca filha da Mãe. Daí saio da saia justa e o ouvinte ainda cai na gargalhada. Afinal eu tenho que saber o que sou, não tenho que ficar dando explicações entendíveis por aí.
kkkkkk, mas gostei do "neopolitano" hummm, vontadinha de tomar sorvete!!!!kkkk