outubro 29, 2009

Sobre Penthos (Luto)

"As canções são apenas palavras. Aqueles que estão amargurados as cantam.
Eles as cantam para se livrar de sua amargura, mas a amargura não vai embora."
[1][2]


Nas listas de Helenismo, quando falávamos sobre termos épicos em Homero, me deparei com o conceito de "penthos / πένθος" (luto, pesar, sofrimento, tristeza, lamentação). Como perdi uma pessoa querida em junho, pensei que escrever sobre isso poderia me ajudar a lidar com essa morte e superar a dor de sua ausência. E disso resultou este texto.

Primeiro descobri que, como para a maioria das coisas, para esta também há um "daimon" (espírito). Penthos[3] é filho do Éter e Gaia, figurava entre as Algea (Tristezas), que eram 'daimones' de dor e sofrimento - tanto do corpo quanto da alma, de luto, tristeza e aflição. Eles traziam lágrimas e eram opostos ao Hedone (Prazer) e às Cárites (Graças). O escritor Statius (em 'Thebaid' e 'Silvae') menciona Penthos como um espírito que fica entre os que sofrem luto, incitando seus corações, arfando seus peitos e fazendo-os soluçar.

"Penthus é a personificação do pesar. Quando Zeus decidiu quem seria ser o deus do quê, Penthus não compareceu. Não sobrou nada para ele além das honras prestadas aos mortos, o luto e o choro. Penthus favorece aqueles que pranteiam seus mortos, e por eles serem tão bons em seus prantos ele os envia o maior pesar que pode. Então a melhor forma de evitar a dor é manter a quantidade de aflição a um mínimo." (Ryan Tuccinardi)[4]

Nos antigos epitáfios, como o de Epinike e de Philokydis, mencionava-se muito o fato do pesar/dor/tristeza/luto que a pessoa morta deixava aos sobreviventes.[5]

Nós comentamos, então, que respeitar a passagem do ser amado, tanto no sentido da memória da pessoa que vai quanto da tristeza das pessoas que ficam. Os cristãos dizem que as pessoas que morrem estão felizes no céu com Jesus e os anjos, e que contraditoriamente deveríamos ficar felizes por elas, mas ficamos tristes e pensamos que estamos errados e não entendemos isso e sentirmos culpa. Não faz sentido, faz? Você se debater contra o que você sente, achando que deveria estar sentindo outra coisa, é no mínimo uma falta de respeito à nossa natureza. Quando alguém morre, todas as várias coisas que sentimos poderia se resumir a Penthos. Independente de para onde as pessoas amadas foram depois de mortas, nós estamos tristes sim por eles terem partido, por não estarem mais conosco, por sentirmos saudades deles, por não podermos vê-los cumprir todas as esperanças e sonhos que eles tinham para esta vida. E tudo bem sentirmo-nos assim, faz parte. É esperado que fiquemos mal, tristes, irritados, revoltados, o que for. Somos humanos!

É exatamente nesses tempos de crise que você passa a perceber mais forte a utilidade das suas crenças. São os deuses e daimones que nos ajudam a superar. Eles podem não estar me abraçando, me dando colo, mas estão ali, e a presença deles comigo, o fato de se mostrarem disponíveis e atentos, é tudo, é maravilhoso, me deixa melhor. Tem coisas que a gente não precisa concluir que teve uma razão para acontecer, ainda mais morte (que é tão difícil achar um motivo, a gente sempre acha que não era necessário tirarem alguém de nós tão radicalmente). Elas simplesmente acontecem e pronto. Talvez até tenham uma razão que desconhecemos. Não dá para culpar ninguém, nem para se apegar a algum plano misterioso acontecendo, até porque a gente pode nunca descobrir que razões foram essas. A solução é lidar com a perda, lembrando que o destino e o tempo nem sempre nos favorecem, e seguir adiante com a vida.

Os gregos, que eram tão amantes da razão, provavelmente diriam que o certo é seguir adiante de uma forma sincera, e não fantasiando justificativas e pintando nuvens de algodão-doce sobre os fatos. Você está despedaçado por dentro, então sinta isso, os deuses esperam que você sinta mesmo, até o negócio esgotar e você ser transformado. A dor é transmutada. Como qualquer massa fermentada, ela não vai crescer e virar bolo se não for lançada no fogo. É necessário. Sei que é extremamente difícil de aceitar, mas não temos superpoderes, então a nossa limitação humana só nos permite isso, e é isso que temos que fazer. Devemos deixar Penthos nos incitar o coração e nos arfar o peito se preciso.

Uma outra coisa que percebemos ao procurar por Penthos em textos épicos é que ele seria muito mais um pesar público, coletivo, oposto ao Kleos (que seria o privado, particular).[6]

No quarto livro da Odisséia de Homero, aparece a palavra "Nepenthe" como aquele que afugenta a tristeza ('ne' como partícula de negação para 'penthos'). A "Nepenthes pharmakon" (filtro que afugenta a tristeza) era uma poção mágica dada para Helena por uma rainha egípcia. Essa poção acalmava todas as dores com o esquecimento.[7] Os estudiosos acreditam que se trata de um preparado de ópio, similar ao láudano. Outros dizem que seria um elixir egípcio feito de losna (tipo o absinto). Mas os efeitos "positivos" descritos do Nepenthe são bem similares aos efeitos dos opiáceos/narcóticos: um estado lânguido e prazeroso da mente, com intensa sensibilidade à beleza.

Píndaro tem um trecho que diz "Aqueles os quais da parte de Perséfone irão receber compensação por um 'penthos'/pesar de longa duração, a alma desses ela envia de volta para cima, no nono ano, para a luz do sol, e dessas almas crescerão reis ilustres, vigorosos em força e muito grandes em sabedoria. E para o resto dos tempos eles deverão ser chamados de heróis sagrados."[8]

Se o oposto de Penthos faz aumentar nossa sensibilidade à beleza, ler versos como esses de Píndaro me faz ver como é lindo e reconfortante fazer parte do mundo helênico...

Alexandra, 29/10/2009.


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Notas:
1. (Todas as traduções citadas no texto são minhas, do inglês.)
2. 'The death rituals of rural Greece', Por Loring M. Danforth, Alexander Tsiaras.
3. Penthos, no theoi.com.
4. Penthus, no pantheon.org.
5. Hansen, P.A. (ed.). Carmina Epigraphica Graeca. Berlin & New York 1983-1989, visto em "Reading" Greek death: to the end of the classical period, por Christiane Sourvinou-Inwood.
6. The Best of the Achaeans, Concepts of the Hero in Archaic Greek Poetry - Gregory Nagy (cap.6).
7. Sobre Nephente como oposto de Penthos.
8. The Best of the Achaeans, Concepts of the Hero in Archaic Greek Poetry - Gregory Nagy (cap.9).

5 comentários:

  1. Imprimi e colei!!Texto fantastico!

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  2. ...como uma luva!
    Parabéns pela qualidade (vou repetir isso todas as vezes...rsrsrs)
    BJS!

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  3. Este comentário foi removido pelo autor.

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  4. Ai amiga... Apesar das dores é tão bom ver como elas podem dar origem à essa beleza de que fala Píndaro. Graças aos deuses nossa vida não é uma monotonia de rotinas e sim uma variabilidade de sentimentos e sensações.

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  5. PS: Leio e releio esse texto e amo cada vez mais, um dos meus favoritos :D

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