dezembro 28, 2014

O Uso do Sino em Rituais

Após ver uma sugestão de ritual que incluía o uso de um sino, resolvi pesquisar se tal prática possuía ressonância na antiguidade. Encontrei um artigo chamado "For whom did the bell toll in ancient Greece? Archaic and Classical Greek bells at Sparta and beyond" (Por quem os sinos dobravam na Grécia antiga? Sinos gregos arcaicos e clássicos em Esparta e além), de Alexandra Villing. São 74 páginas, mas faço aqui uma breve resenha. Adquiri também um sino com cabo de madeira para pirografar nele algo que o identificasse como de uso ritual. Depois, no texto, descobri que existiam mesmo inscrições votivas em alguns sinos de culto, especialmente a Atena.

HISTÓRIA

Os antigos não eram acostumados a sinos enormes como aqueles que soam nas igrejas de hoje, e sim a sinos portáteis de não mais do que uns 10 cm. Esses sinos de tamanho pequeno eram comuns na Grécia Antiga do período arcaico em diante, tanto em bronze quanto em terracota. Eles eram encontrados em santuários, túmulos e casas, e serviam para vários propósitos. Fontes arqueológicas, iconográficas e literárias atestam o seu uso como ofertas votivas no ritual e em situações funerárias, também como instrumento de sinalização dos guardas da cidade, como amuletos para crianças e mulheres, e num contexto dionisíaco no sul da Itália. A origem dos sinos é da área oriental e caucasiana, por onde eles encontraram entrada na antiga Samos e Chipre e depois na Grécia continental. O maior complexo de sinos encontrado, da era clássica, vem de escavações no santuário de Atena na acrópole espartana. Veremos que, além de Esparta, outros lugares também associavam o som do sino a algo protetor, purificador e apotropaico (que afasta os males). Os sinos de terracota eram claramente imitações baratas dos sinos de bronze, e serviam para efeitos de dedicação, podendo ser comparados a miniaturas de vasos, de armas ou estatuetas de animais usados como ofertas votivas.

Os sinos em maior número foram encontrados no santuário de Atena Khalkioikos na acrópole espartana em 1907, embora só em 1925 se tenha anunciado e poucos deles tenham sido apresentados ao público, tendo apenas se publicado alguns desenhos e as inscrições votivas encontradas neles. Depois, uma pesquisa no Museu de Esparta revelou que, nessa escavação, eles haviam encontrado 34 sinos de bronze e 102 sinos de terracota (ou fragmentos deles). É difícil saber o local exato dos sinos no santuário, pois parece que estavam em toda a parte, desde o sul do precinto até os fundos do teatro (incluindo a pequena construção que servia como santuário de Atena Ergane). O que se sabe claramente é que eles eram dedicados a Atena com os epítetos de Khalkioikos ("da casa de bronze") e Poliouchos ("suporte da cidade"), já que os sinos possuíam inscrições votivas a ela. O tamanho deles variava entre 2 e 8 cm de altura. No texto que li, a autora descreve a forma, a alça, os pés, como foram feitos etc, e traz desenhos dos mesmos. Quase todos os sinos tinham ao menos um buraco em cima para prender o badalo, o qual era sempre de ferro. Sete desses sinos tinham inscrições, três deles com dedicatórias completas, que indica se tratarem de ofertas votivas de um homem e duas mulheres. Outros três tinham abreviações (ΑΘΑ para ΑΘΗΝΑ - Atena). No sétimo parecia ter uma inscrição longa, mas agora só um A é claramente visível. As inscrições são claramente em lacônico do século V AEC.


No Menelaion de Esparta, no santuário rural de Aegina provavemente dedicado a Ártemis, e no santuário de Apolo Korynthos na Messenia, haviam sinos muito parecidos com os dedicados a Atena em Esparta. Eles tinham a forma de cúpula, com uma beirada mais grossa e com pés. 


Além desses lugares, os sinos mais antigos vêm de Atenas, onde três sinos de terracota decorados foram encontrados no túmulo de uma criança, também do século V AEC. Também encontraram-se sinos na Beócia (no túmulo de uma criança e em santuários de Deméter e dos Cabiros), em Selinous na Arcádia (no santuário de Deméter Malophoros), em Perachora (no temenos de Hera Limenia), em Pherai na Tessália (provavelmente vindos dos santuários de Ártemis Enodia e de Zeus Thaulios), em Olímpia, em Idalion no Chipre, e no argivo Heraion de Samos. 


Em Samos, a influência oriental (da Mesopotâmia, Babilônia, Assíria e Fenícia) aparece não só nos sinos, mas também em estatuetas de chumbo e em máscaras dedicadas a Ártemis Orthia.

Dessa parte introdutória, podemos resumir que, em termos de história dos sinos, há cinco pontos chaves a se mencionar. Primeiro, os sinos se encontravam por praticamente toda a Grécia e mundo grego, particularmente em santuários e túmulos. Segundo, a maioria dos sinos gregos eram feitos de bronze ou terracota, alguns de metais preciosos. Terceiro, os sinos de Samos, do Chipre, da Tessália e de Aegina eram baseados em modelos orientais. Quarto, os sinos gregos são normalmente pequenos e mais ou menos em forma de abóbada/cúpula, embora também apareçam sinos cônicos e hemisféricos; a parte de segurar era em arco ou alça, e inscrições neles eram raras. Quinto, não havia um padrão particulas: os sinos tebanos de bronze dos Cabiros e os lacônicos de Ártemis eram ofertas votivas, assim como os sinos espartanos de terracota para Helena e Menelau no Menelaion e os beócios para Deméter em Eutresis. Também se encontraram sinos em santuários a Hera (em Samos, Argos e Perachora), a Atena (em Esparta, em Idalion e talvez em Delfos), a Afrodite (em Mileto), e a Apolo (na Messenia e em Chios).

FUNÇÃO

Os sinos encontrados em Esparta eram claramente funcionais. Afinal, quase todos tinham badalo, o que também nos faz concluir que era improvável que eles tivessem sido usados como instrumentos musicais, já que, no caso, se bateriam com baquetas por fora do sino. Pode ser que eles fossem suspensos ou usados na mão. Uma vez que muitos tinham pés, eles provavemente não só ficavam pendurados mas podiam ser colocados em uma superfície para ficar de fácil acesso ao usuário.

Em Roma, os sinos eram usados para anunciar abertura de mercados e banhos, para acordar e chamar escravos etc, mas na Grécia Antiga esses usos não se confirmam, embora o sino seja conhecido nos tempos de Demóstenes como um meio de atrair a atenção. Na Grécia, os sinos eram carregados pelos guardas - tanto os comediantes Nicofon e Aristófanes quanto o historiador Tucídides mencionam o sino nesse contexto. Os guardas podiam usá-lo como adorno ameaçador da armadura, e o inspetor podia usar o sino para ver se os guardas estavam acordados. Sinos em animais, como cavalos, aparecem em Chipre com influência assíria, mas não se atesta o mesmo na Grécia em si. Em suma, o sino funcionava principalmente para duas coisas: como um sinal e com o aspecto ameaçador-protetor. Este último guarda uma conexão especial dos sinos com Atena como deusa da guerra e das habilidades manuais.

A palavra usada nas fontes literárias para se referir a sino é κώδων ("kódon"). Entre as fontes mais antigas a mencioná-la, está Empédocles, no século V AEC, quando ele descreve como o som é percebido dentro do ouvido. Ele diz que o órgão da audição é uma espécie de sino que reproduz ecos que se parecem com os sons de fora. Aécio, quando comenta isso, fala de uma parte cartilaginosa que balança quando é golpeada, um instrumento que produz som reverberante. Esse som dos sinos, especialmente o som do bronze, tem uma ligação muito grande com o som da batalha: os metais se colidindo poderiam induzir medo e ter o propósito de afugentar o inimigo. Vernant (em "Mito e Pensamento entre os Gregos") dizia que o som do bronze contra o bronze repele a bruxaria do inimigo. A própria voz de Atena é descrita por Píndaro como o som do bronze, seu grito um clamor penetrante. Outros autores a comparam com o som agudo do trompete, que era usado como instrumento de sinalização na guerra e que parece ser associado a Atena em Argos. Mas, quando Sófocles liga a voz de Atena ao som do trompete, a palavra que ele usa é κώδων, sino, um sino de bronze, uma vez que a parte frontal do trompete também era chamada de κώδων. Além disso, o epíteto de Atena em Esparta era Khalkioikos ("da casa de bronze"). Pausânias diz que o revestimento do templo dela na acrópole espartana era parcialmente decorado com folhas de bronze. Mas há mais: o culto de Atena Ergane como patrona dos trabalhadores de bronze em Atenas (principalmente no festival da Khalkeia) sugere que ela era patrona da forja de armas e que ofertas de bronze tinham lugar em seu culto. A própria palavra "khalkeion" (cesto de bronze) poderia se referir na verdade a um sino.

Porém, explicar o papel dos sinos como ofertas votivas meramente pela sua habilidade de reproduzir o som da batalha seria inconcluso, até porque há outros instrumentos mais efetivos que poderiam ser imaginados nesse contexto, e isso também não explicaria o envolvimento de mulheres como dedicantes. O uso no pescoço de animais de sacrifício também não cabe, porque só se encontrou uma representação assim pintada no altar de uma casa em Delos, para um festival romano, é improvável que os animais de sacrifício na Grécia usassem sinos. Há a possibilidade do uso do sino como objeto apotropaico e o seu inverso (ou seja, para afastar o mal e para atrair bons espíritos).

A evidência literária e pictográfica aponta que os sinos tinham de fato uma relação com o culto de Dioniso. Strabo chama o uso de sinos e o bater de tímpanos ma atividade dionisíaca, e Nonno chama uma das mênades de Kodone. Vasos do século IV AEC ao sul da Itália representam Dioniso e membros de seu 'thiasos' (séquito) ou segurando um sino ou com um sino amarrado no pulso ou amarrado ao tirso. Em pelo menos um, Dioniso segura o sino alto como se para dar um sinal ao seu thiasos. [Figura 3] 


Poderia-se imaginar os sinos sendo usados para chamar os mortos a um feliz pós-vida dionisíaco, mas isso não tem evidências suficientes nos registros arqueológicos, já que poucos sinos foram encontrados em túmulos ao sul da Itália. Também poderia-se imaginar que o som do sino provinha uma proteção mágica em particular para os períodos vulneráveis de abandono extático no ritual dionisíaco. Na Índia, por exemplo, mulheres e meninas de famílias ricas usavam tradicionalmente sinos para suas danças rituais. Dedicar um sino de bronze deveria mesmo ser algo caro.

A autora aqui pergunta "Isso tudo poderia implicar que a Atena espartana tinha uma face oculta no estilo da folia dionisíaca? Será que os homens e mulheres espartanas executavam danças em sua honra, enfeitados com sinos?". A dança sem dúvida era um aspecto importante na vida ritual de Esparta. Se confiarmos em Aristófanes, existiam danças associadas com o culto da Atena espartana: em Lisístrata, o coro chama Helena a conduzir a dança no santuário de Atena Khalkioikos. Uma estatueta arcaica de uma mulher tocando címbalos foi encontrada no santuário de Ártemis Orthia e o braço de uma estatueta similar foi encontrado no santuário de Atena na acrópole espartana. Mas não há evidência de sinos sendo parte de danças rituais nem para Ártemis nem para Atena. Em geral, os sinos eram menos adequados como instrumentos para acompanhar a dança rítmica, se usavam mais címbalos mesmo. No contexto dionisíaco, o sino era mais o caso de um instrumento para sinalizar e com um significado mais apotropaico relacionado ao som dele.

Há uma passagem de Teócrito que fala que "a ctônica Ártemis está se aproximando, façam do local um solo sagrado pelo bater do bronze". Ele cita a obra 'Sobre os Deuses', de Apolodoro, uma fonte que fala que o som do bronze desempenhava um papel em todas as espécies de rituais purificatórios: por ser puro e por afastar o miasma, ele era empregado durante os eclipses lunares e os funerais. Essa interpretação é apoiada por várias fontes romanas posteriores, atenstando que o som do sino era usado para afastar poderes malignos. No culto extático de Dioniso, o barulho do bronze poderia servir para manter os maus espíritos (que conhecemos como as 'keres') longe. No culto a Deméter, o barulho do bronze também aparece. Píndaro a chama de "Khalkokrótou Damáteros", pelo barulho dos címbalos e tambores de bronze que ressoavam na busca por Perséfone. Assim como a dança dos Curetes e Coribantes também usavam o bater de escudos para afastar o mal do bebê Zeus, sabemos que Deméter é patrona da maternidade, e o parto pode ter usado o som do bronze para afastar o mal da criança e da mãe. Isso explicaria por que encontramos sinos em túmulos infantis.

Em resumo, os sinos eram usados como ofertas votivas, como instrumento de sinalização, e como amuleto protetor apotropaico. O som do bronze do sino tinha qualidades potencialmente amedrontadoras, afastando o mal. E, em Esparta, os sinos eram oferecidos principalmente a Atena.

Segue a imagem do sino que comprei:




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