dezembro 20, 2013

O bacanal não é no natal...

... e Dioníso não é 'Djísus'.


Nesta época do ano, começam a dizer que o 25 de dezembro era originalmente o aniversário de deidades antigas que foi assumido como o natal cristão. Se você falar de Mitra, é até aceitável. Se falar que o Natal teve origem no Sol Invictus ou na Saturnália, OK também. Mas dizer que era o nascimento de Dioniso, não bate. Você até pode celebrá-lo, afinal, existe o festival moderno dos "12 Dias Dionisíacos", e porque - sinceramente - sempre é época de cultuarmos Dioniso e celebrarmos sua energia de liberdade. Basta você não dizer que "na antiguidade" ele nasceu em dezembro, porque não há nada que confirme isso. 

Dioniso tem sim muita coisa a ver com o Jesus cristão em muitos aspectos que não precisamos elencar de novo aqui, mas não significa que são iguais, pois suas diferenças são maiores do que suas semelhanças. E uma delas é que não havia na Grécia Antiga um festival a Dioniso no solstício de dezembro. 

Primeiro de tudo, não existia "dezembro", o calendário era com ano solar e meses lunares, variava muito em relação ao calendário que conhecemos e utilizamos hoje, o gregoriano. Pode ser que houvesse um festival num dia do mês de Poseideon que - em algum ano aleatório - caísse no 25 de dezembro, mas isso não aconteceria todos os anos e demoraria um pouco a cair de novo na mesma data. 

Segundo, Dioniso nasceu várias vezes. Qual aniversário as pessoas alegam estar comemorando? O dia em que ele saiu dourado e alado do ovo órfico (Fragmento Órfico, 54), quando ele nasceu em Creta de Zeus e Perséfone (Biblioteca Histórica, de Diodoros Sikeliotes, 5.75.4), quando ele surgiu das chamas que queimaram Semele (Teogonia, de Hesíodo, 940), quando ele saltou da coxa de Zeus após completar sua gestação (Biblioteca de Apolodoro, 3.28), quando ele veio de Demeter (Diodoros, 3.62), de Dione (Escolástica em Píndaro, de Pitágoras, 3.177), de Amaltheia (Diodoros, 3.67), de Isis (Alexarkhos, fragmento 3.324), do Indus (Vida de Apolônio, de Filostrato, 2.9), do Lethe (Simposíacas, de Plutarco, 7.5) ou de outros tantos progenitores que se alega serem seus pais?

Terceiro, será que algum desses nascimentos foi no solstício de dezembro, início do inverno na Grécia? Vamos ver?

Diodoros (3.66.3) menciona um festival de nascimento de Dioniso em Teos: "Os teanos afirmam como prova de que o deus nasceu entre eles o fato de que, até hoje, em períodos fixos na sua cidade, uma fonte de vinho, de incomum fragrância doce, flui sozinha da terra”. Alguns acham que esse período fixo fosse no inverno, porque havia um milagre parecido em Andros, registrado por Plínio, o Velho: “Muciano, que foi três vezes cônsul, acredita que a água que flui de uma fonte no templo do Liber Pater na ilha de Andros sempre tem o sabor de vinho no dia 5 de janeiro: o dia é chamado de Dia do Presente de Deus... Se os jarros são carregados para fora da vista do templo, o gosto volta a ser de água." (História Natural 2.106; 31.16). Essa identificação tem alguns problemas, no entanto. Primeiro que as duas ilhas são muito longes uma da outra - Telos na Beócia e Andros na Eubeia - e com culturas muito diferentes. Segundo que Plínio não fala em nascimento do deus, e sim mais em uma epifania com Dioniso dispensando seus dons à humanidade de uma forma memorável. Não podemos dizer que sempre que um milagre de vinho acontece - por exemplo, quando as mênades em êxtase fazem sair vinho do chão ao baterem com o tirso nele - significa que o bebê Dioniso vai nascer.

Aelian (Sobre os Animais 12. 34) reconta um festival dionisíaco onde o nascimento do deus com chifres de touro era dramatizado: "As pessoas de Tenedos mantém uma vaca prenhe para Dioniso Anthroporraistos (Assassino de Homens) e, assim que ela tem seu bezerrinho, eles cuidam dela como se fosse uma mulher de resguardo. Eles colocam coturnos no bezerro e o sacrificam. Mas o homem que usou o machado recebe uma saraivada de pedras atiradas pela população, e ele foge até chegar ao mar." Mesmo não fornecendo datas, sabemos que esse festival não era no inverno, porque a temporada de parto do gado na Grécia é durante a primavera e o verão. Inclusive, Pausânias (8.19.2) menciona que no vilarejo arcadiano de Kynaithai, durante um festival de inverno, homens carregavam um touro (escolhido por inspiração divina) nos braços até o santuário, mostrando que o animal tinha atingido seu tamanho ideal nessa época do ano. 

Píndaro também menciona (Frag. 75) um festival em Tebas honrando Semele como mãe de Dioniso, mas este acontece “na abertura da fragrante primavera, quando as Horas trazem as plantas que exalam néctar” e “a terra imortal é decorada com violetas adoráveis e donzelas entrelaçam rosas em seus cabelos e cantam docemente acompanhadas de flautas para a deusa que ama a dança”. Essa seria uma boa razão para não crermos que Dioniso nasceu no inverno, pois no inverno as videiras parecem ramos inférteis. Dioniso tem uma conexão tão poderosa com o ciclo de vida das plantas que não faria sentido alguém dizer que essa é a época em que mais sentimos a 'juventude exuberante do deus'. Pareceria mais apropriado dizer isso na primavera, como Plutarco escreveu (Sobre Ísis e Osíris 69): “Os frígios acreditam que o deus dorme no inverno e acorda no verão, e com frenesi báquico eles celebram naquela estação o festival de ele ser ninado até o sono, chamado Kateunasmous, e na outra celebram seu despertar com o Anegerseis. Os Paflagonianos declaram que ele é agrilhoado e preso durante o inverno, mas que na primavera ele se move e se liberta novamente”. 

Diodoros (4.3.2-5) dizia que, em outras regiões, essa sequência não era encenada todo ano, mas ano sim e ano não, mantendo a rotação dos campos e o ciclo de vida da uva: "Os beócios e outros gregos e os trácios, em memória da campanha na Índia, estabeleceram sacrifícios ano sim e ano não para Dioniso, e acreditam que nessa época o deus se revela aos seres humanos. Consequentemente, em muitas cidades gregas, bandas de mulheres se reúnem ano sim e ano não, e é permitido às donzelas carregarem o tirso e se unirem na frenética folia, gritando 'Evoé!' e honrando o deus; enquanto as matronas, formando grupos, oferecem sacrifícios ao deus e celebram seus mistérios e, em geral, exaltam com hinos a presença de Dioniso, desta maneira agindo como mênades que, como registra a história, eram as antigas companheiras do deus".

Está certo que, em Delfos, esses ritos provavelmente aconteciam no inverno, conforme Plutarco (Sobre o Princípio do Frio, 18) que conta das Thyiades, as mulheres que celebravam os ritos de Dioniso, cujo nome vem de 'thýo' (sacrificar): "O frio é perceptível nas coisas mais duras e faz as coisas ficarem duras e inflexíveis. Teofrasto, por exemplo, nos diz que quando peixes congelados são soltos no chão, eles se quebram e partem em pedaços assim como objetos de vidro na louça de barro. E, em Delfos, você mesmo já escutou, tem o caso daqueles que escalaram o Parnaso para resgatar as Thyiades quando elas ficaram presas por um forte temporal e tempestade de neve, que as capas delas estavam congeladas tão duras como madeira que, quando as abriram, elas quebraram e partiram.” Mas o inverno era a época em que Dioniso controlava a Delfos de Apolo pois o arqueiro tinha partido para as Hiperbóreas, também conforme Plutarco (Sobre o E em Delfos, 9): "Dioniso não tem menos a ver com Delfos do que Apolo, embora Dioniso - a quem eles chamam Zagreus e Nyctelios e Isodaites - não é constante, e Apolo é. Há a sua passagem e a distribuição em ondas e água, e terra, e estrelas, e plantas e animais que nascem - e essa transformação eles descrevem como uma rendição e desmembramento. Pois Ésquilo diz: 'Em gritos misturados o ditirambo deve soar, com Dioniso festejando, seu Rei'. Mas Apolo tem o Peã, uma música sóbria e rígida. Apolo está sempre jovem e imutável; Dioniso tem muitas formas e muitas figuras, como representados nas pinturas e esculturas, que atribuem a Apolo a suavidade e a ordem e a gravidade sem mesclas, e a Dioniso uma mistura de esportividade e atrevimento, com seriedade e frenesi. [...] Os períodos em que eles governam não são iguais, são chamados 'saciedade' os mais longos e 'escassez' os mais curtos, preservando uma proporção, e usam o peã com seus sacrifícios para o resto do ano, mas no começo do inverno revivem o ditirambo, e param o peã, e invocam este deus em vez do outro, supondo que essa razão/proporção de três para um é a do 'Arranjo' da 'Conflagração'". 

E, um pouco depois de Dioniso dar caminho a Apolo que retornava a Delfos - ou seja, na primavera -, os atenienses celebravam a Anthesteria ou 'festa das flores', o casamento sagrado do deus com a rainha que trazia fertilidade à terra (Demóstenes, Contra Neaira 73-76): “E esta mulher ofereceu a você em nome da cidade os ritos sagrados inenarráveis, e ela viu que era apropriado a ela, sendo uma estrangeira, ver; e, sendo uma estrangeira, ela entrou onde nenhum outro ateniense, exceto a esposa do rei, entra; ela administrou o juramento às 'gerarai' que servem nos ritos, e ela foi dada a Dioniso como sua noiva, e ela executou em nome da cidade os atos tradicionais, muito sagrados e inefáveis, dirigidos aos deuses. Em tempos antigos, atenienses, havia uma monarquia em nossa cidade, e o reinado pertencia a aqueles que se sobressaíam por serem nativos. O rei costumava fazer todos os sacrifícios, e sua esposa costumava executar aqueles que eram mais sagrados e inefáveis – e apropriadamente, uma vez que ela era uma rainha. Mas quando Teseu centralizou a cidade e criou a democracia, e a cidade se tornou do populacho, as pessoas continuaram não menos do que antes a selecionar o rei, elegendo-o de entre os mais distintos em qualidades nobres. E eles passaram uma lei de que sua esposa deveria ser uma ateniense que nunca tivesse tido intercurso com outro homem, mas que se casasse virgem, para que, de acordo com o costume ancestral, ela pudesse oferecer os sagrados ritos inefáveis em nome da cidade, e que as cerimônias costumeiras deveriam ser feitas para o deus piamente, e que nada deveria ser neglicenciado ou alterado. Eles inscreveram esta lei em uma estela e a colocaram diante do altar no santuário de Dioniso em Limnais. Essa estela ainda está lá hoje, exibindo a inscrição em desgastadas letras áticas. Portanto, é pelas pessoas que testemunharam sua própria devoção aos deuses e deixaram um testamento para seus sucessores, que requeremos aquela que será dada ao deus como noiva e executamos os ritos sagrados para esse tipo de mulher. Por essas razões, eles a estabeleceram no mais antigo e sagrado templo de Dioniso em Limnai, para que a maioria das pessoas não pudesse ver a inscrição. Pois ela é aberta uma vez por ano, no décimo-segundo dia do mês de Anthesterion.”

Agora vamos pensar: durante o inverno, temos um Dioniso ctônico festejando no topo da montanha com mulheres dançarinas em frenesi, que largam o rei para ficar com ele. Parece um Dioniso bebê? Outra questão: os ritos a Dioniso (Anthesteria, Dionísia Rural, Lenaia etc) se parecem de alguma forma com o natal cristão? Não. Então, se há algum antecedente pagão para o natal, seria a Saturnália e/ou o Dies Natalis Solis Invicti – festivais os quais não têm a ver com Dioniso.

Portanto, se quisermos celebrar Dioniso, que seja sem dizer que é porque os festivais dionisíacos são a origem plagiada pelo natal cristão. Dionísio não é capricorniano. Provavelmente, seria taurino. ];o) 

(Adaptado de fontes extraídas do "Dionysos is not the reason for the season", de Sannion, com comentários meus. Todas as traduções das citações em inglês por Alexandra.)

Um comentário:

  1. Agora levando em consideração que Jesus Cristo também tem seu nascimento improvável na dar que hoje seria Dezembro. Alguns acreditam que o Jesus teria nascido lá por abril.

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